domingo, 4 de janeiro de 2015

Caldera


7º Dia no Chile (dia 15 do mochilão)

Acordamos as 4h da madrugada com o assessor do motorista nos informando que havíamos chegado a Caldera. Olhei pela janela e vi uma rua vazia iluminada pela luz amarela do poste, ao descer me deparei com um pátio deserto e dois bancos de pedra, tudo cercado por um muro com um grande portão aberto. O assessor pegava nossas mochilas no bagageiro e perguntei a ele se era ali mesmo o terminal rodoviário de Caldera. O ônibus seguiria para Copiapó, não existindo roteiro com final em Caldeira e nesse instante entendi o porquê, já que não havia rodoviária na cidade. O rapaz informa que é ali mesmo o ponto de embarque e desembarque, depois ele volta ao ônibus que segue viagem, deixando-nos de pé com as mochilas na mão e sentindo muito frio na madrugada.

Quando me perguntam se tive problemas ou passei perrengues durante a viagem de quase um mês, sempre me lembro deste dia. Nós dois com sono e com frio em um lugar estranho sem ninguém que pudesse dar uma informação e sem um lugar para comer ou usar o banheiro, além do medo de estar com nossas mochilas e todos nossos pertences no meio da rua as 4h da madrugada.

Caminhamos até a Plaza de Armas com auxílio do mapa que tínhamos, no caminho passamos por dois hotéis e tentamos vaga, mas ambos estavam lotados. A praça estava escura e sentamos em um banco para esperar o tempo passar. Logo apareceram diversos cachorros para nos fazer companhia. Estávamos com medo por estar no meio da rua naquela hora, mas a cidade parece tranquila, não havia uma alma na rua além de nós e dos cães que vinham se deitar aos nossos pés.

A hora passava e não clareava o dia. Esta é uma característica forte à beira do Pacífico, o dia só amanhece depois das 8h30min da manhã. Tentamos rodar as ruas próximas na esperança de conseguir algum albergue ou hotel para nos acomodar e sair da rua, mas novamente os que encontramos não tinham vagas. Não esperava essa lotação no lugar, mesmo considerando que estávamos buscando nas ruas do entorno da praça principal que normalmente são os mais procurados. Como era uma sexta feira imaginamos que deviam estar com os quartos reservados para o fim de semana...

Voltamos para o banco da praça e para os cachorros. Depois de três horas esperando, finalmente começam movimentos de trabalhadores se deslocando, mas as ruas continuavam escuras. Por volta das 8h aparece uma equipe de conservação dos jardins para cuidar da praça (coisa muito comum na América do Sul e que poderia ser adotada no Brasil, já que por aqui as praças são abandonadas). Jardineiros regavam as plantas e podavam galhos em meio a escuridão, fazendo com que nos sentíssemos mais seguros.

Já era perto de 9h da manhã quando o dia finalmente amanhece. Já estávamos a cinco horas naquela praça e tínhamos muita fome e cansaço, mas apesar de o dia clarear tudo ainda permanecia fechado e sem movimento. Achei isso muito curioso, pois as lojas do comércio, incluindo padarias, ainda estavam fechadas depois das nove horas da manhã. O dia de trabalho começa bem tarde em Caldera.

Caldera é conhecida por ser um balneário de lindas praias, mas com o dia claro e um céu encoberto de nuvens duvidei, erradamente, que iríamos aproveitar o dia na praia. Por volta das 9h30min a Igreja na praça se abre e o movimento nas ruas começa a indicar que finalmente o dia vai começar na pequena cidade litorânea. Hoje percebi que não tirei nenhuma única foto da praça em que ficamos por tantas horas, acho que o estresse e a vontade de sair dali eram tão grandes que deixei passar essas imagens.

Fomos conhecer a Igreja enquanto o comércio abria as portas. A bonita Igreja de São Vicente de Paula foi construída em madeira no ano de 1862. Por fora pode-se ver a arquitetura interessante que conta com colunas diante da entrada e uma grande torre gótica centralizada no templo.

 
Igreja de São Vicente de Paula
 
Interior da igreja

Detalhe do altar


Deixamos a igreja e paramos no "Pepe’s Restobar" (Calle Edwards, 340) para o desayuno, um bar bem moderninho, entre a quadra da igreja e a quadra da praia, com música ambiente onde tocava o bom e velho Rock’Roll. Comemos um ótimo sanduíche com chocolate quente e aproveitamos para usar o banheiro.


 
Arte em parede nas ruas de Caldera

Seguimos a rua até a orla para ver o mar, que diferente de Arica e Antofagasta, aqui é bem calmo, estando dentro de uma baía. O dia estava frio e o céu bem nublado, fazendo com que a praia estivesse deserta.

 
Praia na Baía de Caldera
 
O dia amanhece encoberto por nuvens e vai abrindo ao longo do dia na costa do Pacífico


No calçadão de frente para o mar está um Moai da Ilha de Páscoa. Até hoje não sei dizer se é original ou uma réplica, pois vi que existem poucos Moais fora da ilha, na verdade, sei de dois: um no Museu Britânico de Londres e outro no Fonk em Vinha Del Mar.

 
Moai em Caldera: Réplica ou original?

Ainda não estive em Páscoa, mas mesmo sem ter visto nenhum outro Moai na vida, achei que esse era uma réplica...

 
Aline e o suposto Moai

O certo é que o Moai marca o ponto onde, a exatos 3.700 Km de distância em linha reta, encontra-se a Ilha de Páscoa.

 
Muito baixinho esse Moai

Ainda na orla nos chama a atenção uma bonita casa demarcada no mapa como Casa Siggelkow, em homenagem a um cônsul alemão de mesmo nome que ali habitou a mais de 60 anos.

 
Casa Siggelkow e o busto do alemão

Deixando a orla subimos em direção a praça novamente e paramos na loja da Tur-Bus para comprar as passagens para a cidade de La Serena. Nossa intenção era de viajar a noite e passar dois dias por lá, sendo um em La Serena e outro em Coquimbo de onde tomaríamos o ônibus para Santiago, no entanto, a empresa de transportes nos deixou desanimados, pois o último ônibus para La Serena sai de Caldera as 20h, e a viagem é de seis horas. Com isso chegaríamos as 2h da madrugada, inviabilizando nossos planos, principalmente depois de passar mais de quatro horas sentado na praça de Caldera (nem pensar em passar por algo parecido novamente). Quem estiver pensando em fazer o percurso deve considerar que este trajeto deve ser feito de dia. A Tur-Bus oferecia ônibus direto de Caldera para Santiago e ali na rodoviária tivemos que tomar uma difícil decisão: Alterar o roteiro original!

Gostaríamos de percorrer as seis horas entre Caldera e La Serena a noite e depois mais seis horas de lá até Santiago também a noite, ficando um dia em Caldera e dois em La Serena (indo e voltando de Coquimbo), mas além de não ser possível o primeiro trajeto, tanto a Tur-Bus, quanto a Pullman Bus (duas únias empresas com loja em Caldera) informaram que o horário do ônibus entre La Serena e Santiago é o de 20h, portanto teríamos que perder dois dias a mais para viajar de dia, além de gastar com o transporte e a hospedagem.

Infelizmente não tinha outra forma de fazer o percurso, decidimos então não ir a La Serena e comprar a passagem direta para Santiago, em um percurso único de doze horas de duração, com isso ganharíamos mais uns dias no fim do mochilão. Foi a decisão mais difícil da viagem, pois nunca é fácil mudar o planejamento durante o percurso, principalmente por que eu queria conhecer as duas cidades, mas não havia outro jeito... Nosso dia em Caldera estava sendo bem estressante!

Deixamos a loja da Tur-Bus com as passagens compradas para as 21h e fomos ao Museu Casa Tornini (aberto das 10h até 13h30min e das 16h até 19h30min). Fomos bem recebidos pelo atual proprietário que nos conduziu em uma visita guiada exclusiva pelo casarão.

 
Casa Tornini

A exposição gira em torno do patrimônio histórico local e das memórias da própria casa, que pertence a família Tornini e data do ano de 1890. Em uma viagem ao passado, conduzidos pelos costumes de épocas antigas recriados na casa, aprendemos um pouco sobre a história da cidade de Caldera, fundada em 1850, que foi cenário de eventos que causaram impactos na vida política, social e econômica do Chile.

 
Uma das salas do museu Casa Tornini

Visitamos os escritórios e quartos utilizados ao longo dos séculos e no fim aprendemos um pouco sobre a história da guerra civil chilena, uma Revolução Constitucional no ano de 1859 (antes da casa ser construída) e da Guerra do Pacífico, vinte anos depois, que tiveram o porto de Caldera como cenário estratégico.

 
Escritório para visitação

Deixamos o museu por volta de meio dia e encontramos um céu azul aparecendo entre as nuvens. Caminhamos de volta para a orla, já com a cidade toda em movimento.

 
Praia no centro de Caldera

Ao norte da praia da baía está o Porto de Caldera que tem papel estratégico na movimentação de mercadorias como uvas, vinho, cobre, entre outras diversas.

 
Porto de Caldera

Mas uma das principais mercadorias negociadas no porto é o pescado, tanto industrial como artesanal. Por isto funciona no local um grande mercado de peixes, além de restaurantes especializados que servem pratos frescos, atraindo muito o turismo no porto. Logo na entrada uma grande estátua de São Pedro com sua rede de pesca aponta a devoção dos pescadores locais.

 
Porto de Caldera no centro da cidade
 
São Pedro e sua rede no porto


O porto de Caldera havia reservado outra grande surpresa de nossa viagem. Assim que nos aproximamos da região dos restaurantes avistamos diversos leões marinhos que nadavam em busca do pescado que não seria aproveitado pelos restaurantes.

 
Leão marinho nas águas do porto

Nunca havia visto um leão marinho antes, ainda mais em ambiente natural. Aqui eles se aglomeravam em busca dos restos de peixes que eram atirados ao mar pelos pescadores e cozinheiros dos restaurantes.

 
Leões marinhos em ambiente natural
 
Simpático leão marinho


Apesar de placas instaladas pelo governo alertarem para que não se alimente os animais na orla, os rapazes que limpavam os peixes enchiam baldes de alimentos que era lançados nas pedras e no mar, atraindo os leões marinhos que brigavam violentamente pelo alimento.

 
Aline admirando a vida selvagem no porto de Caldera







Briga por alimento


Não eram só os leões marinhos que eram atraídos pelo pescado. Grandes pelicanos vinham disputar estes alimentos.

Pelicano

Muitos pelicanos

Nas pedras os pelicanos disputavam com os leões marinhos cada peixe lançado ao mar.



Ao fundo o restaurante que lança seus resíduos ao mar atraindo os leões marinhos e pelicanos

Além dos pelicanos voando em círculos e dos leões nadando em volta do cais, completavam a paisagem portuária pequenas gaivotas andinas que pareciam aguardar as sobras do almoço dos animais maiores para se alimentar.

 
Gaivotas andinas

Ao lado do porto está a antiga estação ferroviária, declarada Monumento Nacional em 1964, a estação foi construída junto com a cidade em 1850 e serviu para o escoamento da produção de minério das minas para o porto. Este era o inicio da primeira linha férrea da América do Sul que ligava Caldera a Copiapó e funcionou até 1930. Hoje o local funciona como casa de cultura e abriga exposições de objetos, pinturas e fotografias.

 
Exposição na antiga estação de trem

Peça da exposição

Mas a principal atração turística de Caldera, para mim pelo menos, é a famosa Bahia Inglesa e deixamos a estação ferroviária para tomar um taxi para lá. Os taxis da cidade funcionam como lotada, ou seja, não importa se o carro está ocupado, eles sempre param para mais pessoas. O percurso de 5 Km até as praias da baía é muito rápido e apesar de existir uma linha de ônibus que faz o trajeto optamos pelo taxi para não perder tempo. No caminho o taxista nos conta que a baía tem esse nome porque foi descoberta por um inglês em 1687.

 
Linda praia na Bahia Inglesa: Areias brancas e águas claras

Assim que descemos do carro me encantei com o lugar: Uma linda praia de águas cristalinas e areia branca. Não é a toa que dizem que a Bahia Inglesa possui as mais belas praias do norte do Chile.

 
Bahia Inglesa




Junto ao terminal de taxis existe um banheiro público, que se pode usar pagando uma pequena taxa. Utilizamos o lugar para trocar de roupa, já que estávamos a dois dias sem um quarto de hotel. Coloquei uma bermuda e uma camiseta e pude tirar um pouco as botas para pisar descalço na areia.


Mochilando em Playa La Piscina na Bahia Inglesa

Depois de uma semana no deserto, poder passar uma tarde na praia era um ótimo desfecho para nossa visita ao Atacama e ao norte chileno.

 
Um dia na praia

Existem diversas praias que compõe a Bahia Inglesa, algumas mais afastadas e que é possível visitar de carro ou com alguma operadora turística, pois muitas oferecem pacotes na região. É possível adquirir pacotes com visita a diversas praias, como Las Machas e Rocas Negras que ficam entre Caldera e Copiapó.

 
O visual é lindo

Mas para nós nada de pacotes turísticos, queríamos apenas um dia de descanso na praia. Paramos logo na primeira que tem águas calmas por estar envolta em rochas e por isso é conhecida como La Piscina. Ao lado a Playa Blanca com meio quilômetro de extensão apresenta algumas ondas leves.

 
Sol e mar...

O céu, que de manhã cedo estava nublado, apresentava a tarde um sol escaldante. Nas cidades entre o Pacífico e o Atacama isto é bem comum. O dia amanhece cheio de nuvens, mas o céu azul vai ganhando espaço e a tarde o sol castiga com o calor forte.

 
Um dia de descanso depois de muito tempo no deserto
 
Sol quente e um céu sem nuvens


Estendemos uma toalha e deitamos na areia sob o sol. A praia com pouco movimento foi ótima para um descanso e o mar é calmo e convidativo, mas apesar do sol quente sobre nós, as águas do Pacífico são extremamente geladas e demorei muito para conseguir um mergulho.

 
Águas geladas!!!

Por volta das 15h fomos buscar um lugar para almoçar e para nossa surpresa quase todos os estabelecimentos comerciais da região estão fechados e praticamente abandonados. Para um carioca que está acostumado a ver todo tipo de negócio prosperar a beira mar, é bem estranho ver que um tipo de “Búzios” chilena não consegue manter restaurantes e comércio diante do mar. As exceções eram quiosques que vendiam, principalmente, frutos do mar.

Existem opções nos hotéis de luxo que ficam de frente para a praia e servem almoço. Nos sentamos no pátio do “Hotel e Restaurante Coral de Bahia Inglesa” para uma das mais caras refeições de nossa viagem. Quem acompanha o blog sabe que não ligo muito para ótimos lugares para comer, pois a gastronomia não é meu forte, mas dessa vez nos demos ao luxo de um almoço digno do lugar em que estávamos. A comida estava ótima e o ambiente é muito bom.

 
Ótimo almoço no "Coral de Bahia Inglesa"

Ficamos na praia até quase o fim do dia, mas o banheiro público fecha as 17h, portanto a esta hora nós fomos trocar as roupas. Atenção a uma dica importante: o banheiro não possui chuveiro!!! Usei a pia para tirar um pouco o sal do corpo, pois iríamos encarar doze horas de viagem até Santiago sem um banho (mais uma vez, já que tínhamos vindo de Antofagasta a noite e lá também não ficamos em hotel, pois saímos direto de San Pedro de Atacama).

O sol ainda estava forte quando entramos em um taxi de volta ao centro de Caldera. Caminhamos pelo centro e seguimos até a orla novamente , onde sentamos para esperar o fim do dia.

 
Esperando o fim do dia na orla

Para nossa surpresa os cães que nos fizeram companhia de madrugada na praça voltaram a nos encontrar junto a areia da baía. Os cachorros brincavam uns com os outros e nos puxavam para que déssemos atenção a eles e no fim acho que foi uma ótima companhia, tanto de manhã quando chegamos, quanto ao fim da tarde enquanto esperávamos o sol se pôr (sim, estavam imundos, mas Aline sempre carrega um álcool gel e lenços umedecidos para esses momentos... rs).

 
Aline e os cães: os mesmo da praça durante a madrugada

O dia que começou confuso terminou de forma perfeita, com o sol se pondo atrás do monte na baía. Depois de uma tarde toda na praia essa era nossa despedida do deserto, pois iríamos para a região central do Chile.

 
Fim do dia em Caldera
 
Nosso último pôr do sol no deserto


As 21h, ainda com o corpo cheio de sal do mar, estávamos embarcando no confortável ônibus da Tur-Bus rumo a Santiago.


Gastos para 2 pessoas em 21/03/2014:

- Desjejum: $ 5.000,00 CLP
- Museu Casa Tornini: $ 4.000,00 CLP
- Ônibus para Santiago: $ 33.200,00 CLP
- Banheiro na praia: $ 1.200,00 CLP
- Taxi (total): $ 6.000,00 CLP
- Almoço: $ 24.750,00 CLP
- Lanche: $ 3.400,00 CLP
- Água: $ 850,00 CLP

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