sábado, 27 de dezembro de 2014

Antofagasta


6º Dia no Chile (dia 14 do mochilão)

 Acordamos as 6h e comemos o lanche que havíamos comprado no mercado no dia anterior. O Hostel Puritama tem uma ótima área para preparar alimentos. Seguimos caminhando com nossas mochilas pelas ruas ainda vazias de San Pedro de Atacama em direção ao pequenino terminal rodoviário de onde as 8h sairia o ônibus da Tur-Bus para Antofagasta no litoral chileno.

Optamos pela viagem de dia, pois o tempo de percurso entre San Pedro de Atacama e Antofagasta é de cinco horas, não sendo possível uma noite inteira para dormir e o último ônibus sai as 22h de San Pedro. Aconselho sempre que puder comprar passagens com antecedência, mesmo para este trecho que é pouco procurado pelos turistas convencionais, já que a maioria atravessa do Atacama para a Bolívia ou sobe para o Norte com destino final no Peru, rumo a Machu Picchu, no caminho inverso do que fizemos.

 O ônibus sai vazio até Calama onde enche de trabalhadores. O trajeto entre as duas cidades é também rota dos mineiros, já que a região é rica em cobre e possui diversas de minas em operação. Cruzamos o Deserto do Atacama durante 5 horas em um confortável ônibus da Tur-Bus, aproveitamos para assistir a um filme (escolhido pelo assessor do motorista e transmitido para todo o ônibus em televisões no teto do corredor), quando o segundo filme começou eu dormi. Fora isto era só areia na paisagem pela janela.

 Por volta de 13h chegamos a Antofagasta, percorrendo ruas de aspecto duvidoso na periferia. Na rodoviária compramos as passagens para Caldera para as 23h, portanto teríamos toda a tarde e noite na cidade. O terminal terrestre localiza-se nos arredores da cidade, um pouco afastado do centro e ao desembarcarmos logo somos assediados por taxistas. Como não conhecia a cidade e as linhas de ônibus, tomamos um taxi para a Praça de Armas no centro. Para quem estiver interessado, informo que existe um ponto de ônibus na saída da rodoviária e é possível fazer o deslocamento para o centro pagando muuuuito menos... mas até então nós não sabíamos disso!

O percurso entre a rodoviária e a praça no centro, é um tanto quanto longo. Antofagasta é a quinta cidade mais povoada do país e o entorno do centro histórico é típico das grandes cidades.

  
Antofagasta na costa chilena: Encontro do Deserto do Atacama com o mar do Pacífico

O taxi nos deixou na histórica Plaza Colón, onde no ano de 1879 as tropas chilenas desembarcaram para a conquista do território, até então boliviano, durante a Guerra do Pacífico.

 
Aline na Plaza Colón ou Praça de Armas de Antofagasta

No centro da praça encontra-se um relógio doado pela comunidade inglesa, no ano de 1911, em uma torre quadrangular com treze metros e meio de altura. O relógio foi construído como uma reprodução em menor escala do que existe na Torre do Parlamento de Westminster emitindo, inclusive, os mesmos sons do Big Ben original.

 
Relógio do Inglês

De frente para a praça encontra-se a Catedral de San José, cuja construção foi concluída no ano de 1917, graça aos esforços do Monsenhor Luis Silva Lezaeta, no mesmo lugar do templo anterior que havia sido destruído por um incêndio.

 
Catedral de San José

Na verdade a igreja original havia sido construída pelos bolivianos em 1874, mas foi consumida pelo fogo durante a ocupação chilena, sendo reconstruída através dos esforços do padre Florencio Sanches e de, seu então secretário, Lezaeta em 1883. No entanto, em 15 de novembro de 1096 o templo de madeira foi novamente consumido pelas chamas, sendo reconstruído, pelo já Monsenhor Lezaeta, em pedra e ferro do modo como está até os dias atuais. Pelos constantes esforços e dedicação o Monsenhor é hoje homenageado com uma estátua na praça diante da Igreja que foi elevada ao status de Catedral no ano de 1929.

 
Estátua do Monsenhor Lazaeda

A praça é grande e bem arborizada, possuindo um coreto, muito comum aqui no Brasil também. Conhecido como Kiosco de Retreta, foi doado pela colônia croata no ano de 1911 e declarado Monumento Histórico Nacional em 1995.

 
Kiosko de Retreta

Completando nossa volta pela praça nos deparamos com um último monumento dedicado aos reis da Espanha. Doado pela colônia espanhola como presente pelo centenário da República Chilena, o Monumento a lós Reyes de España apresenta a figura dos reis, um leão e um condor.

Os reis, o condor e o leão

Atravessamos a rua da praça e paramos em um centro de informações turísticas para saber o que tínhamos para fazer na nossa rápida estadia na cidade. A simpática atendente nos deu um mapa da cidade e também de Caldera, para onde iríamos depois. Nos explicou um pouco sobre os monumentos na Praça de Armas e sobre o antigo prédio dos correios diante da praça e que não havíamos dado tanta importância mas que foi reconhecido como monumento histórico em 2009. O prédio foi construído entre 1921 e 1930.

 
Antigo prédio dos correios

Entre as principais atrações turísticas de Antofagasta estão as Ruínas de Huanchaca e a famosa La Portada, um monumento natural que nada mais é do que uma rocha esculpida pelo mar que se transformou em um arco de pedra. A menina do centro de informações nos informa que é possível ir de ônibus até as ruínas e anotamos as linhas que passavam por lá, mas que o monumento natural encontra-se a 18 Km de distância da cidade e que não existem rotas de ônibus para lá. Teríamos que pagar um taxi que cobra preços altíssimos, bem acima do que seria o valor normal para a distância do percurso. Um grande painel com a foto de La Portada estava diante de nós e consideramos que não valeria o gasto e o esforço para ver uma pedra no mar. Preferimos ocupar nosso tempo conhecendo as atrações dentro da cidade. Para aqueles que estão interessados em conhecer os arredores, Antofagasta possui atrações nos balneários de longas praias e em cidades fantasmas que eram antigos povoados mineiros, mas não posso falar sobre eles, pois não saímos dos limites da cidade.

 
La Portada: Foto da foto

Deixamos a praça e seguimos caminhando pela Calle Banquedano, junto a linha do trem da Ferrocarril de Antofagasta. Nos chamou a atenção a antiga Casa Gibbs, datada de 1915, que foi um centro de importação e exportação de diversas mercadorias, principalmente as referentes a mineração e cujos lados da fachada estão cobertos por um mural de 1.000 m².

 
Casa Gibbs com a pintura nas paredes

O grande mural “A estação ferroviária com os heróis da história de Antofagasta” foi pintado em 2008 e recria a estação de trem no ano de 1915 com personagens importantes da história da cidade.

 
Tudo ali atrás, menos a escada, é parede pintada

A pintura compõe o que dizem ser o maior mural do Chile, mas outra atração ganha espaço diante da casa, a escultura “O rei da água e sua mula”, que em tamanho real parece compor o quadro representado nas paredes da Casa Gibbs.


O rei da água e sua mula

Tomamos um ônibus conforme a menina do centro de informações turísticas havia dito e seguimos para as famosas Ruínas de Huanchaca. O percurso é um pouco longo e no caminho ainda tivemos a grata surpresa de passar pelo Estádio Regional de Antofagasta, construído no padrão FIFA com capacidade para menos de vinte e duas mil pessoas.

 
Estádio Regional de Antofagasta

Ainda do ônibus é possível avistar as ruínas a sul da cidade. As ruínas são o que restou do complexo industrial Playa Blanca Huanchaca que pertencia a uma companhia mineira boliviana e recebia os minerais vindos de Oruro e Potossi. A fundição de metais, construída a partir de 1888, foi inaugurada em 1892 e chegou a ser a mais moderna e maior refinaria de prata da América do Sul, tendo uma usina de energia própria para suprir as suas necessidades. Deixou de funcionar em 1902, com o declínio da exploração de prata nas minas bolivianas e uma inundação que fechou a mina de Pulacayo.

 
Ruínas de Huanchaca

Na área foi erguido o Parque Cultural Ruínas de Huanchaca, por onde se pode caminhar e apreciar as ruínas da antiga fundição. Placas com informações contam a história do lugar que era responsável pela fusão e resfriamento de minerais de prata e produzia cerca de duzentas toneladas por dia, chegando a empregar mais de mil e duzentos trabalhadores no seu auge.

 
Aline e as ruínas
 
Vagando pelas ruínas


Eu não havia imaginado em nenhum momento que eram ruínas tão “modernas”. Depois de tanto tempo vendo ruínas incas e de outros povos pré-colombianos, encontrar um pouco de história recente do ciclo da mineração boliviana e chilena foi muito bom.

 
Antiga fundição de Huanchaca

Dentro da área do Parque Cultural encontra-se o “Museu do Deserto de Atacama” que chama a atenção com um Jardím de Rocas junto a entrada onde estão minerais e pedras extraídas na região norte do Chile.

 
O moderno Museu Deserto do Atacama
 

Jardim de Pedras



Fomos muito bem recebidos no museu que é muito moderno. Deixamos as mochilas pesadas na recepção e pegamos um controle remoto com fones de ouvido por onde se podia ouvir as explicações em Português para as diversas salas e exposições.

 
Fotos são permitidas nas exposições permanentes
 
Explicações em português através de fones e controle na mão


O museu possui 2.200 m² divididos em diversas salas com exposições permanentes que contam a história geológica do Atacama, através de suas rochas e fósseis, e a história da civilização desde os primeiros homens, passando pelos incas e finalmente chegando a época da colonização espanhola e da mineração.

 
Fóssil encontrado no Atacama e exposto no museu

A história da mineração e da própria Huanchaca começa a ser contada em um espaço onde há uma interação entre a exposição e a ruína logo atrás. Um painel foi pintado de forma a demonstrar como operava o complexo industrial e de um determinado ponto é possível ver a pintura e a construção de tal forma que uma completa a outra, dando a impressão de se olhar o passado.

 
Espaço recria os tempos de operação da fundição

Historicamente toda a região teve uma economia baseada na exploração de minerais e nos primeiros anos a prata era a principal atração da cidade. Posteriormente, a descoberta de jazidas de salitre e seu valor mundial, fizeram de Antofagasta um lugar de grande interesse. Por causa do fechamento da mina Pulacayo, a queda da prata na Bolívia e a volatilidade do preço do produto no mercado mundial, Huanchaca encerrou suas atividades no ano de 1902. Depois da queda da prata e da indústria salitrera o país entrou numa profunda depressão econômica, sendo realizado o desmembramento do complexo através leilão de bens. O antigo quarto motor da fundição se tornou a capela militar de propriedade do exército localizada na costa litorânea no centro da cidade.





Atualmente, o cobre se converteu no principal mineral da região e toda a história da mineração é mostrada no museu, que tem os utensílios utilizados na mineração nos últimos séculos.

Bolsa para carregar o minério do fundo da mina para a superfície

O museu possui uma moderníssima sala de multimídia que conta toda a história da mineração através de reconstrução em 3D. A duração dos vídeos é de uma hora e a programação é fixa passando de duas em duas horas, mas como estávamos sós no museu a menina da recepção nos chamou para assistir uma seção exclusiva!

 
Sala de multimídia conta a história passo a passo
 
Muito moderno o museu

Vídeo que conta a história do minério no Atacama


A última parte da exposição se volta para o cosmos e as estrelas que nos últimos anos tem estado integrados com o deserto, já que o Atacama se transformou em um laboratório de testes da NASA para as viagens espaciais. O veículo lunar testado no deserto através de uma parceria da agência espacial americana e da Universidade do Norte do Chile foi doado para o museu. Em 2013 um novo protótipo foi testado nas areias da árida e inóspita região norte do Chile, este irá em busca de vida microscópica no planeta Marte. Com clima seco, alto índice de radiação ultravioleta, ventos fortes e tempestades de areia, o deserto é a combinação mais próxima do ambiente encontrado no planeta vermelho.

 
Módulo lunar da NASA: testado no Atacama e utilizado na Lua, foi doado para o museu depois da missão espacial
 
Representação do cosmos

Foto de uma nebulosa


No fim buscamos nossas mochilas na recepção, devolvemos os fones e nos despedimos com a certeza de que esta é uma visita que valeu muito a pena. Recomendo a todos que passarem pela cidade conhecerem o Museu. Tomamos o ônibus e descemos na costa para conhecer a capela que havia sido o quarto motor da fundição de Huanchaca.


De volta ao mar
A sala de máquinas de Huanchaca foi transferida para 1º Divisão de propriedade do Exército do Chile e convertida, no ano de 1942, na bonita Capilla Militar Nuestra Señora del Carmen que encontra-se atualmente junto ao mar.

 
Capela Militar construída no que foi a casa de máquinas de Huanchaca

Gaivota andina


A região costeira no centro da cidade é bem pedregosa e não existem praias, apenas o mar do Pacífico batendo forte contra as rochas. Fiquei imaginando como teria sido o desembarque das tropas chilenas quando houve a tomada da cidade, até então boliviana, durante a guerra do Pacífico.

 
A costa rochosa próxima ao centro de Antofagasta

Ainda diante do mar encontra-se o shopping Mall Plaza de Antofagasta. Seguimos até lá para comer e descansar. Não gosto de passeio em shopping, mas esse foi um ótimo lugar para passar o tempo e esperar anoitecer. Com uma vista para o mar foi possível admirar o lindo pôr do sol no Pacífico novamente.

 
Pôr do Sol visto do shoping
 
Todo fim do dia tem espetáculo de cores no céu


Comemos na praça de alimentação ao ar livre, enquanto o sol ia dando seu espetáculo de cores junto com o céu e o mar. Aproveitamos o tempo livre para dar uma volta no shopping (Aline não ia perder essa oportunidade... rs), sentamos e atualizamos nossas anotações no diário, que depois veio a se tornar este relato, e aproveitamos para acertar o planejamento dos próximos dias de viagem. No fim tomamos um taxi para a rodoviária, já a noite, pois as 23h tomaríamos o ônibus da Tur-Bus em direção a Caldera.

Despedida de Antofagasta

Gastos para 2 pessoas em 20/03/2014:

- Taxi (rodoviária x centro): $ 5.000,00 CLP
- Ônibus: $ 900,00 CLP
- Museu do Atacama: $ 4.000,00 CLP
- Ônibus: $ 900,00 CLP
- Almoço no shoping: $ 7.000,00 CLP
- Taxi (shoping x rodoviária): $ 2.000,00 CLP
- Ônibus para Caldera: $ 18.000,00 CLP

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Atacama: Geysers Del Tatio e Laguna Cejar


5º Dia no Chile (dia 13 do mochilão)

Acordamos as 4h em meio a noite ainda estrelada e fria do deserto. Como o nosso quarto não possuía banheiro, tive que cruzar o pátio a pé na madrugada e pude apreciar a beleza do céu (tudo tem um ponto positivo... rs). As 5h da manhã a van da Latchi Expediciones encostou á porta do hostel com nossos nomes em uma lista para o tour aos Geysers del Tatio.


Havíamos sido informados sobre o frio na região dos gêiseres, mas infelizmente não havia muito o que fazer, já que estávamos viajando no verão, não levamos opções de cascos e para piorar eu só tinha uma blusa de “segunda pele” que estava na lavanderia...


Aqui deixo uma dica valiosa para quem estiver pensando em conhecer os famosos Geysers del Tatio, vá muito bem preparado para o frio! No topo da montanha a temperatura é negativa mesmo nos dias de verão, ainda mais que os pacotes turísticos chegam antes do sol nascer.


A van se lança na estrada em meio a noite e eu volto a dormir chacoalhando no banco por quase duas horas. O campo geotérmico do vulcão Tatio está situado a 4.300 metros acima do nível do mar e para aqueles que ainda não se adaptaram com a altitude eu recomendo um soroche fills, além dos cuidados corriqueiros de não fazer refeição pesada na noite anterior, dormir cedo, etc.


O sol ainda não havia surgido por detrás das montanhas quando a van parou. O guia avisa que é necessário um pagamento, não incluso no pacote, para a visitação e que deveríamos descer para comprar o boleto de entrada. Foi neste instante que percebi o quão mal preparado para o frio eu estava, pois assim que saí do veículo tomei um verdadeiro choque térmico com a temperatura ambiente. O frio era insuportável e um termômetro dependurado junto a guarita de entrada registrava -6ºC (seis graus negativos). Paguei e corri de volta para a van, para percorrer mais uns trezentos metros e ter que descer novamente.



Geysers Del Tatio

Os gêiseres estão em um campo geotérmico que se origina no vulcão Tatio e logo se pode ver as fumarolas em meio a escuridão com as cores do dia pintadas ao redor da montanha em um grande espetáculo da natureza.

 
Fumarolas no campo geotérmico de Tatio

O guia reúne o grupo e explica que é no amanhecer que o vapor é mais intenso, pois há um contraste marcante entre a alta temperatura da água, que nesta altitude entra em ebulição aos 80°C, e a baixíssima temperatura do ar ambiente.

 
Paisagem de ficção científica

A intensa atividade vulcânica forma grandes fumarolas, que são os gases expelidos de buracos na terra sem a projeção de água, mas o que atrai as atenções são os gêiseres, jatos de água fervendo que se propagam do solo e, no campo de Tatio, atingem até dez metros de altura.

 
Aline e as fumarolas
 
Um gêiser bem de perto



O guia nos deixa livres para explorar o lugar, mas avisa que devemos ter muito cuidado ao caminhar, devendo-se respeitar as sinalizações no chão, pois o solo pode ceder e causar acidentes.

 
Eu congelando nos gêiseres a 4300 metros de altitude antes do amanhecer

Caminhamos por entre as fumarolas na esperança de que o ar quente que brota das entranhas da terra nos aquecesse. Imaginem como se sente carioca como eu, que considera um dia com 15ºC muito frio, quando está em temperaturas abaixo do zero. Usava apenas calça jeans e meias comuns por baixo da bota impermeável e estava praticamente congelado na montanha, as luvas usadas na região serrana do Rio de Janeiro de nada serviam nas montanhas andinas. O único agasalho que fez efeito foi o gorro peruano confeccionado em lã de alpaca, me arrependi de não ter comprado luvas e meias do mesmo material.

 
Tentando nos aquecer na fumarola

Com muito cuidado nos aproximamos dos gêiseres que lançavam suas águas em meio ao vapor. A visão é impressionante e nos faz pensar na força do vulcão e em quão frágeis nós somos diante da natureza.

Gêiser lançando água fervendo: Jatos atingem até dez metros de altura
Gêiser do vulcão Tatio

O dia começava a clarear, mas o frio não parecia ir embora. Meu rosto doía e não sentia mais a ponta do nariz, que começava a sangrar por respirar o ar gelado (e sangrou por 3 dias) meus dedos estavam duros e o casaco para inverno carioca não impedia que o frio atravessasse meu corpo como uma folha de papel.

 
Muito frio na montanha
 
Frio, frio e frio





Fiquei imaginando como seria o inverno, quando as temperaturas chegam a -20ºC (vinte graus negativos). O pior frio que eu havia passado tinha sido no deserto boliviano, mas naquela ocasião o vento era o portador de todos os males e bastava se abrigar dele que sentia-se calor, mas na montanha chilena não ventava, nem mesmo uma brisa, o ar estava frio e nada podia ser feito para mudar isso.

 
O mato congelado em pleno verão

O guia nos chama e informa que a mesa para o desayuno estava posta. Chocolate quente, chá fervendo, pães e biscoitos em uma mesa sem cadeiras ao relento mesmo. Comemos ali de pé diante da impressionante paisagem ao redor, o frio passou um pouco com a bebida quente e o raiar completo do dia.

 
A vista durante o desjejum: Amanhecer lindo

Com o dia já claro, cruzamos uma última vez os campos geotérmicos admirando a paisagem que parece o cenário de um filme de ficção científica, com as fumarolas e gêiseres iluminados pelo sol.

 
Fumarola
 
O sol espantou o frio um pouco


Caminhando pelo campo geotérmico



Caminhamos até uma grande piscina, formada com água que vem do interior da terra e que escoa dos gêiseres ao redor. Neste ponto é possível um mergulho nas águas termais e é claro que depois de todo o frio que passei tudo que eu precisava era de uma banho quente para aquecer as mãos, pés e ponta do nariz, que teimava em apresentar um filete de sangue.

 
Água escoando dos gêiseres para a piscina
 
Um mergulho perfeito para aquecer de vez



O lugar tem uma boa estrutura com uma piscina natural e pequenos espaços individuais com portas e um banco de pedra para se trocar. O problema era tirar a roupa para entrar na água! Mas depois que mergulhava a água quente era um alívio no dia frio.

 
Piscina termal

Os turistas se aglomeravam próximo a saída de água quente e quanto mais se afastasse deste ponto, menos quente ficava a água. Mas apesar de tudo é uma experiência que vale a pena e eu recomendo. De dentro da piscina eu olhava todos do lado de fora mega agasalhados e pensava o quão difícil seria sair da água, mas até que foi fácil, pois a água morna faz uma camada de proteção no corpo e é o tempo de sair e se dirigir até uma das casinholas para se secar e se agasalhar novamente.

 
Do lado de fora fazia perto de 0º

Depois foi só voltar para o aconchego da van, pegar a estrada novamente e admirar a aquarela de cores da paisagem atacamenha pelo caminho.

 
Aline e eu em algum lugar no meio do colorido Deserto

Na volta, ainda paramos no micro povoado de Machuca, um típico vilarejo atacamenho com casas de adobe e telhados de palha, que possui uma população de 40 pastores de lhamas.

 
Pueblo de Machuca
 
Casas de adobe com telhados de palha


O lugar é conhecido pelas empanadas de queijo de cabra e pelo seu churrasquinho de carne de lhama, que é preparado e consumido à moda brasileira, ou seja, em uma banquinha na praça, onde também são comercializados artesanatos típicos da região. Como a fome era grande comemos empanadas.

 
Churrasquinho de lhama

Tivemos um tempo para circular pelo pueblo e seguimos uma das duas únicas ruas da vila onde um solitário cantor, vestido à caráter, tentava ganhar uns pesos chilenos com sua arte...

 
Rua de Machuca
 
Solitário cantor


No fim da rua um caminho conduz a pequena Igreja de Machuca no alto de uma colina. A igrejinha simples construída em adobe durante a colonização espanhola é mantida pela população e sua fé.

 
Portal da igrejinha
 
Igreja de Machuca

O altar simples feito pelo povo de Machuca


Voltamos para a van e no caminho uma solitária gaivota andina nos observava com atenção. Já no caminho de volta a San Pedro de Atacama grupos de vicunhas podiam ser vistos à beira da estrada.

Gaivota andina
 
Vicunhas

Chegamos a San Pedro por volta das 12h30min e ainda teríamos mais um tour as 16h. Como tínhamos um tempo livre paramos para almoçar, caminhamos pela Caracoles vendo as lojas e aproveitamos para comprar alguns itens no mercado (desodorante, sabonete e algum lanche para a manhã seguinte), além de buscar nossas roupas na lavanderia. Depois fomos até o Museu Arqueológico, próximo a Igreja da San Pedro.

Museu Arqueológico Padre Le Paige

O museu pertence a Universidade Católica do Norte e foi fundado pelo padre belga Gustavo Le Paige em 1957, junto a sua paróquia. Apesar de ser pequenino é muito bem organizado. Infelizmente não parece ser muito procurado, pois em relação ao número de pessoas que transita pelas ruas e nas agências turísticas o museu parece um deserto.

 
Museu bem vazio

O museu possui uma grande coleção que inclui peças cerâmicas, fragmentos de tecido e material arqueológico diverso que representa a cultura atacamenha que chegam a datar de 3.000 a.c.

 
Objetos de cerâmica no centro do museu: Reconstituição de uma escavação

Acervo em exposição

Me chamou a atenção os petroglifos, que são pedaços de pedras com inscrições gravadas e os objetos arqueológicos em ouro, que estão expostos numa câmara chamada Sala del Tesoro Atacameño.

 
Petroglifo
 
Objetos de ouro


Este seria nosso último dia na cidade, por isto fomos ao terminal rodoviário e compramos as passagens de ônibus para Antofagasta para o dia seguinte de manhã, com isso dormiríamos no hostel mais uma noite e viajaríamos durante o dia até a costa chilena. Na volta da rodoviária ainda deu tempo de comprar um sorvete para amenizar o forte calor e descansar um pouco na área de vivência do pátio do hostel. Não havia mais nada para ver na pequena San Pedro.

Hostel Puritama: Esperando o próximo passeio pelo deserto

As 16h estávamos na Latchir Expediciones para nosso último passeio turístico pelo Atacama. Encontramos várias pessoas que já haviam feito outros passeios conosco, entre elas o brasileiro Vinícius, as chilenas Cláudia e Maggi e os argentinos Vicente e Maria Jose que conhecemos enquanto o guia trocava o pneu do ônibus em Socaire. O valor do pacote para a Laguna Cejar, os Olhos da Salar e a Laguna Tebinquinche custava $ 15.000 pesos chilenos por pessoa, no entanto, quando fechamos os pacotes todos juntos, a Latchir nos deu um desconto de $ 30.000 pesos chilenos, fazendo com que este tour ficasse sem custo!!!


Embarcamos em uma van com destino novamente ao Salar de Atacama para, o que eu achei, um dos melhores pacotes turísticos que fizemos. Não sei se de graça é melhor, mas a verdade é que eu recomendo a quem for ao Atacama visitar os atrativos deste pacote, não esquecendo-se de levar roupa para banho.

 
De volta para o Salar de Atacama

Percorremos apenas 20 Km e chegamos à primeira parada do tour na Laguna Cejar, um espelho d’água azulado e de margens brancas, formadas por camadas grossas de sal cristalizado, em meio as paisagens secas do salar ao redor.

 
Laguna Cejar

Deve-se pagar uma taxa de entrada, não inclusa no passeio e depois é só caminhar até a famosa laguna. Na verdade são três lagunas e o banho é permitido em apenas uma, sendo que a que dá o nome ao passeio não é a mesma que se mergulha. Isso porque a Cejar possui um índice de salinidade tão alto que chega a ser perigoso o mergulho, além da proibição por conta da preservação do lugar. Pode-se vê-la, mas não entrar.

 
Complexo lagunar de Cejar
 
Laguna Cejar

Laguna de Piedra


O dia estava lindo, como todos os outros no deserto, com o sol forte no meio da tarde. O guia reúne o grupo e explica que a Cejar é o corpo hídrico mais salgado do mundo, possuindo maior salinidade do que o Mar Morto em Israel. A Laguna de Piedra, na qual o banho é permitido, não é tão salgada quanto a Cejar, no entanto, também é mais salgada do que o Mar Morto.

 
A laguna no meio do salar com o Vulcão Licancabur ao fundo

Se for visitar a Laguna Cejar e de Piedra já vá vestido com a roupa de banho, pois diferente da piscina termal no passeio aos Geyseres del Tatio, não existirá nenhuma cabine para você se trocar, além disto leve um chinelo de dedos para usar ao entrar e sair da água, pois o sal forma cristais pontiagudos no chão na margem da laguna que podem facilmente cortar os pés.

 
Margem de sal puro

Paisagem praiana no deserto: Laguna Cejar e sal

O guia nos deixa livres para o mergulho, mas avisa que é importante não molhar a cabeça e os olhos em hipótese nenhuma. A alta concentração de sal pode provocar sérios danos se a água entrasse nos ouvidos, narinas, boca e olhos.

 
Mergulho maravilhoso

Confesso que a água estava fria, mas não foi tão difícil entrar. O grande diferencial do lugar é que, devido a alta concentração de sal, o corpo flutua e não importa o que se tente fazer, você definitivamente não afunda. A sensação é muito estranha, principalmente para um carioca que nem eu, acostumado a entrar no mar, pois o que acontece na água vai em desacordo com o que sua percepção espera. Me senti um boneco inflável.

 
Impossível afundar

A laguna é bem profunda, atingindo os vinte metros de profundidade, mas como não existe chance de afundar você nem percebe este detalhe. O lugar é o ideal para alguém que não sabe nadar ou tem medo de água, vai poder cruzar a laguna sem o receio de se afogar.

 
Melhor experiência da viagem

Achei essa a melhor experiência da viagem toda e fiquei lá boiando por um bom tempo. O problema é que a altíssima concentração de sal faz com que todo o corpo fique esbranquiçado e a pela enrijecida.

Difícil é tirar o sal depois

O tempo total na laguna foi de 1h30min e no fim o vento frio dificultou muito a saída da água. Quando deixei a laguna percebi que estava coberto por uma grossa camada de sal e tudo que eu tocava ficava marcado. Camisa e bermuda ficaram duras e esbranquiçadas, nem tentei tocar na máquina fotográfica para não estraga-la, me senti o Rei Midas do sal. O guia leva, junto ao carro, uma pequena bombona de água doce para tirar o excesso, mas é impossível retirar tudo e junto a guarita de entrada existem lugares para se trocar.

 
Uma última olhada para a Laguna

De volta ao carro, ainda com o corpo cheio de sal, seguimos para a próxima parada: Ojos Del Salar. Duas crateras com água onde também se pode mergulhar. O guia diz que o mergulho é para tirar o sal, mas na verdade a água não é doce, mas também não é tão salgada quanto a Laguna Cejar.

REPRODUÇÃO DA INTERNET: Foto aérea das Olhos do Salar

As duas piscinas de água azul escura realmente parecem um par de olhos no meio do Salar de Atacama. O guia explica que estes dois poços são muito fundos e que não se flutua neles.

 
O poço reflete o azul do céu
 
O poço no qual se pode entrar


A geografia original das margens não permite acesso aos poços, mas em um dos poços fez-se um caminho para os turistas poderem sair da água. Eu digo sair, pois para entrar a forma tradicional é o mergulho! Deve-se dar uma corrida e saltar em direção a água azul profunda em um salto com desnível de quatro metros de altura.

 
Aline saltando no poço

O vento frio do fim de tarde desanima, mas eu estava com o corpo branco de sal e precisava do mergulho. A água estava bem fria! Alguns minutos foram o suficientes, até por que não existe parte rasa no fosso, e deve-se nadar e boiar todo o tempo, sem possibilidade de por os pés em algum apoio. Depois é só subir por um caminho improvisado na margem e encarar o frio vento do lado de fora. Não existe nenhum lugar para trocar de roupas e utilizei a van para colocar a calça jeans, pois a bermuda era sal puro.

 
Nadando nos Olhos do Salar
 
Aline e eu nos Ojos del Salar


A última parada no Atacama foi na Laguna Tebinquinche. Eu imaginava encontrar uma laguna como as outras, mas ao chegar lá me deparei com um grande salar bem parecido ao de Uyuni na Bolívia.

 
O sal que sobrou da Laguna Tebinquinche

O guia explica que a Tebinquinche é uma laguna que secou quase por completo deixando todo o sal depositado sobre o solo. Esperaríamos o fim do dia neste lugar e mais e mais carros de turistas iam chegando.

 
O Vulcão Licancabur ao fundo
 
Salar do Atacama


Caminhamos pelo salar que um dia foi o fundo da laguna e encontramos o que restou dela em uma área ainda com água em um ponto bem distante de onde paramos inicialmente.

 
As águas da Laguna Tebinquinche
 
A imensidão de sal que um dia foi lagoa



O sol vai baixando no horizonte e o frio começa a aumentar no deserto. O guia monta uma mesa com diversos petiscos para uma confraternização do grupo. Todos se reúnem ao redor da mesa e nos é servido uma bebida muito famosa no Chile e no Peru: Pisco Sour. Desde o início de nossa viagem que ouvimos sobre o “pisco” (que inclusive era o nome de um cão no charmoso “Café com Pisco” em Águas Calientes no Peru, conforme contei por aqui), mas ainda não havia provado. Uma curiosidade sobre a bebida é que existe uma grande rixa entre o Chile e o Peru a respeito da origem e criação do Pisco, pois apesar de ter o nome de uma cidade peruana (Pisco fica próxima a Ica no deserto do país vizihno) a fórmula ficou famosa nos arredores de La Serena, cidade costeira do Chile, havendo uma certa diferença entre a fórmula peruana e a chilena.

 
O sol do deserto
 
O grupo todo reunido diante da Laguna Tebinquinche

Um brinde de Pisco Sour a um dos melhores dias da viagem


Provei o Pisco, que é um tipo de “caipirinha” de uva ao invés de limão, e achei bem gostosa. Os biscoitos e aperitivos diversos estavam bem gostosos também e todos confraternizavam e trocavam experiências sobre onde passaram em suas viagens. O sol ia se pondo em um clima bem bacana no grupo.

 
Esperando o pôr do sol
 
Sol e sal: Só faltou o mar... rs


Era também nossa despedida do Vinícius que seguiria para o Brasil em breve e das nossas novas amigas chilenas a Cláudia e a Maggi. Em meio a conversa descobrimos que a argentina Maria já havia feito um mochilão pela costa brasileira e foi bem legal ouvir as histórias dela pelas terras tupiniquins.

 
Aline e seu Pisco Sour
 
Um brinde ao pôr do sol


E o dia terminou com um brinde no meio do deserto, diante de um pôr do sol lindo e com a lembrança de todos os lugares por onde passamos. Um dia perfeito e de sensações únicas, que começou nas altitudes geladas dos gêiseres, passou por mergulho no mais salgado lugar do mundo e terminou com um brinde no pôr do sol jogando conversa fora com pessoas que eu provavelmente não mais veria.

 
O sol e a Laguna Tebinquinche
 
Assim terminou nosso último dia em San Pedro de Atacama


A volta para San Pedro foi bem divertida, com todos conversando e trocando contatos e fotos na van. Cláudia e Maggi, que são chilenas de Santiago, pediram que quando estivéssemos na cidade entrássemos em contato para nos encontrar. Nossa previsão era de passar por lá em pouco tempo e ficou acordado que nos falaríamos pelas redes sociais quando estivéssemos na cidade.


Além dos passeios que fizemos ainda é possível ir ao Salar de Tara, Baños de Puritama e ao Salar de Uyuni na Bolívia (caminho inverso ao que relatei aqui no blog anteriormente). Voltamos ao hostel e tomamos um banho de verdade para tirar o sal do corpo e seguimos para a rua para comer alguma coisa, que acabou sendo um lanche mesmo, pois estávamos muito cansados. Depois fomos deitar e dormir, já que no dia seguinte teríamos que tomar um ônibus para Antofagasta as 8h.


Gastos para 2 pessoas em 19/03/2014:

- Entrada nos Gêiseres: $ 5.000,00 CLP
- Lanche: $ 2.500,00 CLP
- Museu Arqueológico: $ 5.000,00 CLP
- Almoço: $ 7.200,00 CLP
- Entrada na Laguna Cejar: $ 4.000,00 CLP
- Diária no Hostel Puritama: $ 60.000,00 CLP
- Ônibus para Antofagasta: $ 14.000,00 CLP