O sol estava nascendo em uma manhã bem fria de fim de inverno
europeu e eu como um bom carioca já estava congelando (e olha que devia estar
fazendo perto de 8ºC) quando chegamos na Praça da Figueira, buscando o “Norte
Guest House”, o hostel que havíamos reservado ainda no Brasil.
O hostel fica na Rua dos Douradores nº 159, bem perto da Praça da
Figueira, e constava que o check-in
era as 13 hrs, mas a simpática menina da recepção nos permitiu subir para o
quarto assim que chegamos. O hostel é bem tranquilo e tem boa localização,
estando no centro da cidade. Para quem está com mala é bom saber que este
hostel possui elevador, o que é raro em hostels por lá! Depois de descansar um
pouco era hora de ir para rua.
A Baixa é um bairro que tem sua história e arquitetura fortemente
ligadas ao grande terremoto do ano de 1755, quando Lisboa foi devastada. Após
os tremores o Marquês de Pombal tomou a frente e restaurou a ordem na cidade,
conduzindo um plano de urbanização para reconstrução de Lisboa, onde hoje é o
centro da cidade está o primeiro exemplo de construção planejada da Europa. A
Baixa é o eixo comercial da cidade e possui as principais praças de Lisboa.
O primeiro lugar que conhecemos em Portugal foi a Praça da
Figueira, pois ficava próxima ao hostel. No centro da Praça, que possui o
projeto arquitetônico do Marquês de Pombal, está uma estátua equestre de Dom
João I.
Antes do terremoto a praça abrigava um hospital, mas depois foi
reconstruída com objetivo de ser o mercado central da cidade, hoje já não é
mais utilizada para este fim, mas possui diversas lojas e cafés, com destaque
para a Confeitaria Nacional, fundada em 1829 e considerada uma das melhores e
mais antigas casas de doces da Europa.
Para quem curte doces, Portugal é um paraíso! Lisboa possui
pastelarias em cada esquina e por lá essas lojas só vendem doces. Aline e eu
sempre buscamos conhecer bem as cidades durante o dia, comendo apenas salgados
e lanches rápidos no almoço e parando para jantar depois que o sol se põe, mas
em Lisboa tivemos muita dificuldade com isso, pois as pastelarias quase não
vendem salgados e os que estão a venda ficam junto com os doces, ou seja, são
vendidos frios mesmo.
Seguimos para a Praça do Rossio, logo ao lado, que na verdade se
chama “Praça de Dom Pedro IV” e ostenta uma estátua do homenageado no alto de
um pedestal com quatro figuras femininas nas laterais da base que representam
Alegorias da Justiça, Força, Moderação e Sabedoria.
Dom Pedro IV é a figura que conhecemos como Dom Pedro I, o
Primeiro Imperador do Brasil e a praça que é o centro vital da cidade costuma
ter seu lado político bem aflorado em comícios e manifestações populares.
Ao norte da praça encontra-se o Teatro Nacional Dona Maria II, que
tem o nome da filha de Dom Pedro e a sul está o Arco da Bandeira, que liga a
praça a Rua dos Sapateiros.
Deixando a praça, caminhando a esquerda do Teatro Nacional,
chegamos a Praça de São Domingos, onde está a Igreja de mesmo nome.
A fachada simples da igreja e convento esconde uma história de
existência marcada por tragédias. O Templo, que começou a ser construído no ano
de 1241, foi assolado por um terremoto no ano de 1531 e reedificado em 1536. O
terremoto de 1755 destruiu novamente o complexo, mantendo de pé apenas a
sacristia e a capela-mor. Em 13 de agosto de 1959 um incêndio de grandes
proporções destruiu a igreja mais uma vez, queimando a decoração do interior e
trazendo a baixo todo o telhado.
O simples e belo interior da igreja |
A igreja foi recuperada, reabrindo as portas no ano de 1994, mas
até hoje mantém as marcas do incêndio nas colunas e paredes. O ambiente no
interior reflete as tragédias, mas mesmo assim achei o templo muito bonito em
sua simplicidade. A Igreja de São Domingos sempre foi uma das mais importantes
de Lisboa e nela se realizaram todas as grandes cerimônias religiosas de
Portugal, como as exéquias nacionais e reais, assim como os batizados e
casamentos reais.
Altar da Igreja com teto reconstruído |
Marcas do incêndio ainda visíveis |
Marcas das tragédias: Rachaduras causadas pelos terremotos |
No Largo de São Domingos está o Bar “A Ginjinha”, famoso por
servir a bebida desde 1840. A Ginja é uma bebida típica que une a ginja com
aguardente, açúcar e canela e é servida em copos tradicionais no pequeno
estabelecimento disputado por locais e turistas.
A Ginjinha no largo de São Domingos |
Deixando o Largo seguimos pela Rua das Portas de Santo Antão que
tem esse nome devido a um antigo portão do século XV que não existe mais. A rua
é uma boa opção para quem quer almoçar, pois é repleta de restaurantes
especializados em frutos do mar, como o que funciona na Casa do Alentejo.
Rua das Portas de Santo Antão |
Detalhe de uma fachada |
Casa do Alentejo |
Portas de Santo Antão é uma rua típica do centro de Lisboa com
casario característico e escadarias que ligam a Baixa ao Bairro Alto, como a
que fica ao lado da Igreja de São Luis dos Franceses, próxima a Casa do
Alentejo.
Caminhamos pela rua olhando as lojinhas e restaurantes até o Museu
da Sociedade de Geografia que expõe uma coleção de artefatos trazidos das
antigas colônias portuguesas pelo mundo. Não entramos no museu e seguimos para
a Praça dos Restauradores.
A Praça dos Restauradores homenageia os homens que lutaram na
Guerra da Restauração. Portugal viveu sobre o domínio espanhol entre os anos de
1580 e 1640, ano da famosa guerra. No centro da praça está um obelisco erguido
no ano de 1886, onde estão inscritos os nomes e datas das batalhas da
Restauração, que duraram 28 anos e culminaram com o reconhecimento de Portugal
livre do domínio espanhol em 1668. Nos arredores da praça estão o elegante
Avenida Palace Hotel e o Teatro Eden.
Praça dos Restauradores com o Obelisco ao centro, o Teatro Eden ao lado e o Avenida Palace Hotel ao fundo |
Junto a praça está o Palácio da Foz, do século XVIII, onde
funciona um Centro de Informações Turísticas. Próximo ao palácio está o
Elevador da Glória, um funicular amarelo que liga a Baixa ao Bairro Alto.
Na extremidade da Praça dos Restauradores está a Avenida da
Liberdade que, com seis pistas automotivas, chega até a Praça Marques de Pombal.
Esta avenida foi criada a partir de um passeio público idealizado pelo Marquês
de Pombal após o terremoto de 1755.
Avenida da Liberdade vista a partir da Praça dos Restauradores |
Avenida da Liberdade |
A Avenida da Liberdade sofreu muitas mudanças ao longo dos séculos
até ficar com as características atuais. Um memorial homenageia os mortos da
Primeira Grande Guerra Mundial.
Passeio ao longo da Avenida da Liberdade |
Monumento aos mortos da Grande Guerra |
Praça Marquês de Pombal |
Retornamos a Praça dos Restauradores, cruzando-a em direção a bonita
Estação Rossio, que chama a atenção com sua fachada que apresenta dois arcos no
estilo mourisco em forma de ferradura. A estação é o ponto de partida de trens
que seguem em direção a Sintra.
Estação Rossio |
Diante da estação está a pequena Praça João da Câmara do lado do
Teatro Nacional (do outro lado está o Largo de São Domingos por onde havíamos
passado anteriormente). Tomamos o caminho para o sul pela rua atrás da Praça do
Rossio e encontramos um ótimo lugar para almoçar. Depois de caminhar bastante
estávamos com fome, mas só havíamos encontrado restaurantes caros e na Rua 1º
de Dezembro (nº 105) nos deparamos com o bom Restaurante Leão D’Ouro, que serve
comida no sistema self service com
direito a churrasco. Apesar de não haver muita variedade na comida, o valor é
bem bom (fica a dica)!
Depois de almoçar seguimos na direção do Castelo de São Jorge, no
ponto mais alto da cidade. O castelo é visível de vários pontos da cidade e
pode-se chegar até ele caminhando ou tomando o Elétrico nº 12 na Praça da
Figueira. Escolhemos andar!
Cruzando a Praça do Rossio, antes de encontrar a da Figueira
novamente, achamos a pequenina Igreja de Nossa Senhora da Saúde e a escada que
leva em direção ao Castelo.
Igreja de Nossa Senhora da Saúde |
As Escadinhas da Saúde levam ao ponto onde corria a muralha da
Cerca Nova nos limites da cidade em épocas medievais e de onde é possível ver
as torres do Castelo.
Subindo as Escadinhas da Saúde |
Seguimos pelas ruas do bairro Alfama até o Largo da Rosa, onde
encontra-se a estrutura de um antigo lavadouro público. Caminhando pelas ruelas
do bairro, sempre subindo, pudemos ver as pitorescas casas e charmosos becos.
Antigo Lavadouro Público |
Ruas de Alfama |
Paramos para descansar no Largo de São Cristóvão, onde está a
igreja de mesmo nome. As ruas cheias de subidas e descidas proporcionam belas
paisagens urbanas. Subindo mais um pouco e chega-se nas ruas no entorno do
castelo, onde lojas, cafés e restaurantes recebem os turistas com um ar ainda
medieval. A Rua Santa Cruz do Castelo remete ao passado com seu casario típico.
Igreja de São Cristóvão |
Largo de São Cristóvão |
Rua Santa Cruz do Castelo |
O Castelo de São Jorge fazia parte da antiga Alcáçova, cidadela
moura, e foi construído pelos mulçumanos em meados do século XI. A fortificação
era o último reduto de defesa para os que viviam na cidadela.
Entrada do Castelo de São Jorge |
Em 1147 D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, conquista a
cidade de Lisboa e transforma a fortaleza na residência dos reis portugueses,
batizando-a de Castelo de São Jorge.
Muralhas do Castelo de São Jorge |
Parte da edificação abriga hoje um núcleo museológico, um café e
um restaurante (Casa do Leão) e é possível ver elementos arquitetônicos que
integravam a antiga residência real portuguesa.
Em 1511 foi erguido um palácio na atual Praça do Comércio e o
castelo deixou de ser usado pelos reis, transformando-se em prisão e depósito
de armas. Após o terremoto de 1755 a fortaleza ficou em ruínas, até 1938 quando
Salazar reconstruiu as muralhas e criou jardins com aves selvagens, como os
pavões, que estão lá até os dias atuais.
Hoje o antigo paiol, destruído pelo terremoto e reconstruído
posteriormente, é utilizado como museu para uma exposição permanente que
apresenta a história do lugar e objetos resgatados nas escavações arqueológicas
dos arredores.
Antigo Paiol e atual museu |
Peças em exposição no núcleo museológico |
Foi no Paço do Castelo que o Rei Manuel I recebeu o navegador
Vasco da Gama, no ano de 1499, após seu retorno do descobrimento do caminho
marítimo para as Índias.
Caminhando pela área da fortificação encontramos os sítios
arqueológicos com vestígios que testemunham as primeiras ocupações conhecidas
da região (século VII a.c.). É possível observar os vestígios da zona
residencial da época islâmica, quando o castelo foi erguido, no século XI e as
ruínas palacianas da antiga Alcáçova que estavam ali até o terremoto de 1755.
É possível subir nas torres e caminhar ao longo das muralhas pelas
ameias do castelo. O castelo preserva 11 torres, como a de Menagem, a do Paço e
a da Cisterna. Escadas ligam as muralhas e torres a dois átrios.
Subindo nas muralhas |
É possível caminhar pelas muralhas do castelo |
Muralha e torre com a cidade abaixo e o Rio Tejo ao fundo |
Aline e eu em uma das torres do castelo |
No alto da Torre de Ulisses, um pequeno aparato de lentes e
espelhos possibilita um tour visual por Lisboa de dentro de uma câmara escura
no castelo. Com visitas a cada 30 min em uma língua diferente (português,
inglês e Frances, nesta ordem entre 10h e 17h30m) é possível observar as
imagens, captadas em 360º pelas lentes, projetadas sobre uma tela e ajustadas
como em um telescópio.
Torre de Ulisses |
Câmara Escura dentro da torre com tela para visualizar a cidade |
Cristo Rei visto do Castelo |
Deixando o bairro do Castelo voltamos para as ruas de Alfama, no
caminho de volta a Baixa, com seu casario típico.
No Largo da Sé está a igreja construída, originalmente, em 1150 no
local de uma antiga mesquita moura. A Sé foi devastada por três terremotos no
século XIV, além do de 1755, o que fez com que a Catedral fosse sendo reformada
ao longo dos anos.
A fachada em estilo romântico esconde um interior simples, sombrio
e austero. No interior do templo está a pia batismal onde Santo Antônio foi
batizado no ano de 1195.
Interior da Sé |
Pia batismal de Santo Antônio protegida por grades |
A Catedral possui nove capelas góticas com túmulos de grandes
personalidades portuguesas, como o de Lopo Fernandes e sua esposa, companheiros
do Rei Afonso IV, e o túmulo do próprio monarca e sua esposa.
Claustros da Sé |
Capelas góticas dos claustros |
Túmulo de Lopo Fernandes |
Os claustros góticos também podem ser visitados e apresentam
escavações arqueológicas que revelam ruínas mouras e romanas. No antigo jardim
do claustro foram encontrados vestígios da “Idade do Ferro”, cerâmicas do
século XVIII a.c. e também construções romanas dos séculos I e II, além de construções
mouras.
O tesouro da Sé está guardado na parte superior e é composto de um
acervo de prataria, itens eclesiásticos e algumas relíquias relacionadas a São
Vicente. Fotos não são permitidas nas salas do tesouro, mas só soube disso
depois da primeira foto que irei. Logo fui avisado da proibição, mas a foto
tirada ficou e é a única que tenho de alguns itens da exposição.
Tesouro da Sé |
Diante da Igreja da Sé está o Largo de Santo Antônio e a Igreja
que foi construída sobre a casa onde o santo nasceu. A igreja original foi
destruída pelo terremoto de 1755 e a atual, construída a partir de 1757,
financiada por doações dos fiéis.
No interior do templo uma escadinha junto a sacristia conduz o
visitante à cripta onde ficava o quarto onde o popular santo nasceu. Um painel
de azulejos celebra a visita do Papa João Paulo II em 1982, que orou neste
lugar quando esteve em Lisboa.
Interior da Igreja de Santo Antônio |
Escadas para o antigo quarto do santo |
Uma grande paz toma o pequeno espaço da capela e nos ajoelhamos no
oratório em que o Papa havia orado ao santo e fizemos nossa oração.
Ao lado da igreja está o Museu Antoniano que abriga artefatos
relacionados ao santo, além de objetos religiosos de ouro e prata.
O sol já começava a baixar quando retomamos a caminhada de volta a
Baixa. No fim do inverno europeu o dia já dura algumas horas a mais e só
escurece perto das 20h, com isso pudemos aproveitar bem os dias.
Encontramos a Igreja de Santa Maria Madalena que foi construída,
originalmente em 1150. A que hoje existe não é mais a original, pois esta
sofreu um incêndio em 1363, foi arruinada por um ciclone em 1600 e finalmente
destruída por completo no terremoto de 1755.
O portal manuelino foi declarado Patrimônio Nacional em 1910. No
interior da sacristia estava em exibição a exposição “Quem é o homem do
Sudário?”.
De volta a Praça da Figueira, seguimos na direção oposta a que
tomamos inicialmente e caminhamos pela Rua Augusta, um Passeio Público cheio de
lojas, cafés e restaurantes.
No fim da rua está o Arco que liga o passeio a Praça do Comércio.
O triunfal Arco da Rua Augusta foi construído para marcar a recuperação da
cidade após o terremoto de 1755, mas só foi concluído no ano de 1873.
Arco visto da Rua Augusta |
Arco visto da Praça do Comércio |
Cruzando o Arco chega-se a famosa Praça do Comércio, também
conhecida como Terreiro do Paço, pois abrigou o Palácio Real por 400 anos,
desde quando o rei Manoel I transferiu a morada real do Castelo de São Jorge
para este local, junto ao Rio Tejo, em 1511, até a revolução de 1910, que
culminou com a proclamação da República Portuguesa.
O palácio original foi destruído pelo terremoto de 1755, junto com
mais de 70.000 livros e documentos históricos, como os que registravam as
viagens dos navegadores portugueses, incluindo a de Cabral ao Brasil. O palácio
foi reconstruído e hoje os prédios amarelos são ocupados por ministérios, gabinetes
de governo e o Tribunal de Justiça. As torres quadradas do lado sul estão
viradas para o Rio Tejo e no centro da praça está a estátua do Rei José I
erguida em 1775.
O terreiro sempre foi um portão de entrada nobre da cidade, onde
desembarcavam a realeza e os embaixadores estrangeiros. O Cais das Colunas está
lá até os dias de hoje, com seus degraus de mármore semi submersos encobertos
por limo.
Antigo cais com as colunas e degraus em mármore |
A noite cai e as luzes da praça se acendem, iluminando o Arco e a
Estátua no centro. Sobre as arcadas estão restaurantes famosos da cidade como o
“Martinho da Arcada”, o mais antigo de Lisboa.
Depois de um dia de muita caminhada fomos conhecer alguns das
especiarias servidas nos arredores da praça como o “Pastel de Bacalhau com
Queijo da Serra da Estrela” servido no restaurante do Museu da Cerveja e o
“Melhor Bolo de Chocolate do Mundo” servido no Populi. O “pastel de bacalhau” é
na verdade o que conhecemos como “bolinho de bacalhau” e o chamado melhor bolo
de chocolate do mundo é nada mais do que um “suspiro de chocolate” com um
pequeno recheio leve servido com toda pompa, mas super sem graça e bem longe de
ser o “melhor alguma coisa do mundo”.
Pastéis de bacalhau recheados com queijo da Serra da Estrela |
O dito melhor bolo de chocolate do mundo (decepção rs) |
Deixo aqui minhas impressões finais dessa parte da cidade: A Rua
Augusta, apesar de importante e repleta de restaurantes, é bem deserta a noite,
bem como a própria Praça de Comércio. A agitação noturna passa longe da região
central e apesar de não perceber insegurança pelas ruas eu fui constantemente
abordado por traficantes que ofereciam drogas diversas ao pé do ouvido ao longo
de toda a Rua Augusta e Praças da Baixa. Isso se deu em todos os dias que
ficamos em Lisboa, longe de ser algo isolado...
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