Depois de aproximadamente 16
hrs de viagem (Deserto de Dalí X Uyuni + Uyuni X Potosí + Potosí X Sucre) chegamos a
Sucre por volta de 3h da madrugada. O ônibus parou do lado de fora do terminal,
que a esta hora encontrava-se fechado. Não tínhamos um lugar para ficar e nada
reservado. Na rua havia apenas um taxista parado próximo ao muro do terminal,
não havia escolha e negociamos com ele mesmo. Combinamos $ 30bs para nos levar
até um hostel que ele conhecia próximo a praça central de Sucre, no entanto,
quando lá chegamos o valor da estadia era muito alto e resolvemos procurar
outro lugar, o taxista se ofereceu a nos levar em outro hostel bem próximo.
Apenas viramos a esquina e ele percorreu uns 50 metros com o carro até o Hostel
Sucre, que nos cobrou o preço mediano (U$ 30,00) que havíamos pago nos
primeiros dias em Santa Cruz e Potosí, então resolvemos ficar. Foi aí que o
taxista resolveu ganhar em cima de nós, dizendo que o valor antes combinado era
para a primeira corrida e que teríamos que pagar mais $ 30bs pela segunda (de
um hostel até o outro 50 metros a frente). Nos sentimos roubados e oferecemos Bs$
40,00 ao invés dos Bs$ 30,00 antes combinados. O taxista não queria negociar e nos
acusava de não querer pagar a corrida. A rua estava completamente deserta. Como
bons cariocas aprendemos a não discutir com um taxista as 4h da madrugada, mas
dissemos que Bs$ 50,00 era todo nosso dinheiro. No fim, mesmo contrariado ele
aceitou os Bs$ 50,00 por toda a corrida e foi embora.
No meio da madrugada o hostel também
queria ganhar em cima de nós (será que ninguém sabe que mochileiro não tem
dinheiro?!) e o rapaz no balcão da recepção informou que o valor da diária se iniciava
as 6h da manhã, portanto teríamos que pagar 2 diárias inteiras (uma das 4h as
6h e outra a partir das 6h até as 12h do dia seguinte). Não aceitamos e
perguntamos se poderíamos entrar só as 6h ele aceitou e nos deixou na recepção
sentados em um sofá a espera do horário. Depois de mais de 16 hrs dormindo em
acentos de veículos desde a manhã no Deserto de Dalí até Sucre, passando por
Potosí, dormir sentado naquele sofá usando a mochila como travesseiro foi fácil.
Não eram 6h quando o rapaz da recepção apareceu novamente e nos viu dormindo
calmamente no sofá diante do balcão. Acho que nesse momento ele percebeu que
não pagaríamos mesmo uma diária por 1 h ou menos, então ele pegou o formulário
e abriu a nossa estadia com horário marcado de chegada as 6h e apesar de ainda
faltar uns 30 min finalmente nos mudamos para uma cama no quarto.
Acordamos de vez por volta das 11h da
manhã. Saímos para o centro da cidade. Já havíamos conhecido o lugar na nossa
primeira passagem por lá, então fomos procurar um lugar para comer. Não
tínhamos muitos planos para o dia a não ser assistir ao pôr do sol no Mirador do Monasterio de La Recoleta que é bem famoso. Também
havia o passeio nas montanhas do entorno que o taxista havia nos oferecido da
outra vez, mas que ficava caro apenas para 2 pessoas.
Pátio interno do Hostel Sucre |
Estávamos no restaurante quando uma
grande coincidência aconteceu. Via internet descobrimos na rede social que as
meninas suíças (Karen e Eileen) que havíamos conhecido nas minas de Cerro Rico, em Potosí,
também estavam na cidade. Conversamos rapidamente e marcamos de nos encontrar
na Praça 25 de Maio. Contamos a elas sobre o passeio nas montanhas que o
taxista havia nos oferecido e que poderiam ir até 4 pessoas por aquele preço. Elas
gostaram da ideia, então ligamos para o taxista no número que havia no cartão e
marcamos de nos encontrar na praça pouco tempo depois.
Na hora marcada o Sr. Jorge surgiu com
seu taxi. Lembrando que havíamos conhecido o simpático taxista na nossa primeira passagem por Sucre e que ele também é professor de história e geografia. Deixamos a região metropolitana de Sucre e nos dirigimos para as
montanhas ao redor. Nosso motorista-guia-historiador-geógrafo nos contava as
histórias da região e como se deu a evolução da civilização desde os incas até
a atual, passando pela colonização espanhola.
Em um determinado momento paramos na
subida de uma montanha onde ele nos explicou que o povo da região costuma
dividir sua fé entre o cristianismo e a devoção à Mãe-Terra (Pachamama). O Sr. Jorge fez um
pedido à Pachamama para que nosso passeio fosse proveitoso e derramou meia
garrafa de álcool potável ao chão (o mesmo que os mineiros ofereciam a EL Tio nas minas de Cerro Rico). Eu havia provado a bebida em Potossí e havia achado horrível, mas o taxista afirmou que Pachamama iria gostar da oferenda. Deste
ponto nas montanhas podíamos ver as nuvens negras que vinham cercando a cidade.
Embarcamos novamente no taxi e voltamos a subir.
Lá embaixo Sucre em meio as nuvens |
As estradas eram precárias e de terra
batida, muitos trechos estavam em obras e víamos maquinário de terraplanagem
junto a pequenas vilas no percurso. Ao longe víamos nuvens negras que começavam
a se aproximar fechando o tempo ao nosso redor.
Estradas de terra nas montanhas |
A região das colinas é muito bonita. Algumas
mulheres de origem indígena pastoravam alpacas e lhamas em torno de casas de
pedras centenárias, além de muros e ruínas pré-incas.
Arredores de Sucre |
Ruínas pré-incas |
Casas nas montanhas dos arredores de Sucre |
As nuvens negras já tinham nos
alcançado quando paramos novamente no povoado de Madre de Dios. Teríamos que deixar o carro naquele ponto e seguir a
pé em meio a neblina gelada no alto da montanha. O frio estava cada vez maior e
o vento que trazia as nuvens era cortante. Diante de nós uma igreja dedicada a Santa Madre de Dios, que nosso guia
explica, foi construída em um lugar sagrado para os índios para facilitar a
catequização por parte dos espanhóis aproveitando o solo já considerado
místico.
Uma pequena trilha nos leva ao alto de
uma pedra onde encontra-se um cruzeiro de metal. O frio lá no alto era tanto
que mesmo de luvas eu não sentia mais meus dedos. O local era utilizado pelos
nativos como área de sacrifícios de animais à Pachamama. Com a colonização foi
instalada a Santa Cruz para lembrar aos indígenas qual era a religião que
deveria ser seguida, mas mantendo o lugar sagrado. Este também era o lugar onde
os espanhóis falavam ao povo escravizado, pois a acústica é ótima no alto da
pedra.
Subindo as montanhas com a Igreja ao fundo |
Cruzeiro |
Mas este local entrou de vez na história no ano de 1741 quando o indígena Tomas Katari, líder de um movimento contra a escravidão, foi preso pelos colonizadores. Foi levado ao alto da pedra, junto ao cruzeiro, de onde foi apresentado a todo o povo escravizado, que atentamente ouviram os cerca de 50 espanhóis explicarem que aquele era o exemplo do que aconteceria com os que tentassem a liberdade. Tomas Katari foi morto diante de aproximadamente 500 indígenas escravizados e teve seu corpo lançado nas pedras mais abaixo. O resultado não foi bem o esperado e os colonizadores viram uma revolta instantânea se levantar entre o povo abaixo, que naquele dia aniquilou e esquartejou os espanhóis que estavam em número 10 vezes inferior. Na pedra mais abaixo, local onde o corpo foi lançado, foi erguida uma estátua em homenagem ao líder morto.
Local da morte de Tomas Katari |
Homenagem a Tomas Katari |
As nuvens negras cobriam toda a visão mais acima na montanha e não era possível ver o vale a nossa frente. Caminhamos até o início da antiga trilha para Machu Picchu e conhecemos os arredores do caminho que sumia em meio a neblina.
Caminhando nas montanhas |
Início da trilha inca |
Trilha inca |
Caminhando na trilha inca |
No passado esta trilha seguia até Machu Picchu no Peru |
Pedíamos a Pachamama que nos ajudasse
afastando a neblina, mas ao invés disso a chuva começava a nos alcançar e o
frio nos expulsou de vez da montanha. Era hora de voltar ao carro para o retorno a Sucre.
Chuva e frio no topo da montanha |
Nós 4 voltando pela trilha inca |
Leo, Eileen, Karen, Jorge (guia) e eu nas montanhas de Sucre |
Hoje, pensando bem em tudo que aconteceu desde que chegamos lá em cima até a volta a cidade, tenho certeza que Pachamama não gostou do álcool potável oferecido na subida, até porque ele é horrível e acho que deveria ter oferecido folhas de coca ou algo mais agradável.
O vento aumentava e a temperatura
despencava. A chuva ficava cada vez mais forte e o carro começou a patinar no
rio de lama que a estrada se transformava. Nosso guia dizia a todo momento que
era tudo ótimo e que Pachamama estava nos abençoando, mas eu tenho certeza que
nem ele acreditava nisso.
Em certo momento, debaixo de chuva
forte, o carro atolou na lama e tivemos que descer na chuva para ajudar a
soltar o carro. Quando ele finalmente escorregou para fora do buraco de lama
sob os pneus tivemos que andar uns 50 metros até o fim da pequena ladeira para
embarcar novamente de modo a não permitir novo atolamento. Meus pés estavam com
lama grudada e sem capa de chuva meu casaco estava bem úmido. Nem é preciso
dizer que o frio estava piorando. Mais uma vez pedimos a Pachamama para aliviar
um pouco as tormentas e mais uma vez ela pareceu não entender o pedido, pois a
frente a situação pioraria.
Chegamos ao centro do vilarejo cortado
pela estrada por onde havíamos visto a estrada em obra e para nossa surpresa o
caminho estava fechado. Por conta das obras a estrada só seria liberada as 18h.
Tentamos argumentar com os responsáveis da obra, mas foram irredutíveis. As
meninas tinham que pegar um ônibus as 19h, portanto não era possível ficarmos
ali esperando até a estrada abrir. Resolvemos descer a pé o resto do percurso.
Pagamos o guia pelo passeio e ele nos informou que deveríamos andar “um pouco”
até pegar um ônibus do outro lado da obra.
Andamos montanha abaixo pela lama na
estrada e embaixo de chuva (reclamando com Pachamama) por aproximadamente 1h
até que encontramos um carro do outro lado do bloqueio. Pedimos ajuda e ele nos
ofereceu uma “carona” até o ponto do ônibus por apenas Bs$ 10,00. Aceitamos e
assim foi feito. Depois mais Bs$ 2,00 no ônibus e antes das 18h estávamos na Praça
25 de Maio.
Paramos em um Café diante da Plaza 25 de Mayo para comer alguma coisa
antes de as meninas partirem para o terminal de ônibus. Acabei não conseguindo
ver o pôr do sol no mirante como havia planejado. No fim nos despedimos com a
certeza de uma amizade conquistada e voltamos para o hostel para um merecido
banho quente, pois no dia seguinte voltaríamos ao Brasil.
Até que enfim um lugar seco e quente: De volta a Sucre |
Karen, Leo, eu e Eileen no Café diante da praça |
8º Dia: Voltando para casa
Acordamos cedo e comemos rapidamente no hostel, pois era preciso pegar um taxi para o aeroporto. Nosso voo para Santa
Cruz era cedo. Na hora de pagar a conta do Hostel uma surpresa: o cartão não
finalizou a transação! O taxi já estava parado na porta nos esperando e
enquanto Leo saía correndo para procurar um caixa eletrônico eu contava
dinheiro para tentar pagar a conta. Leo não conseguiu sacar no caixa da praça e no fim conseguimos pagar com dólares
mesmo. Devo dizer que, apesar desse pequeno imprevisto, o Hostel Sucre (Calle
Bustillos, 113) foi ótimo e não nos trouxe pontos negativos, então fica aqui
uma boa dica de acomodação na cidade.
Depois de muita correria para pagar a conta entramos no taxi muito atrasados, mas para nossa sorte os voos na Bolívia nunca saem no horário e deu tempo certinho de chegar ao aeroporto e embarcar. Uma parada de conexão em Santa Cruz de la Sierra, onde tivemos que pagar U$ 25,00 como taxa de uso do aeroporto para voos internacionais (fica a dica: guarde dinheiro para essa taxa) e finalmente o voo de volta ao Brasil.
Gastos - 26.03.2013
Tour nas montanhas - Bs$ 100,00
Onibus - Bs$ 2,00
Refeição - Bs$ 58,00
Gastos - 27.03.2013
Hospedagem - U$ 17,50
Taxi - Bs$ 17,50
Imposto aéreo Sucre - Bs$ 11,00
Imposto aéreo Santa Cruz - U$ 25,00