domingo, 1 de novembro de 2015

Aldeias Históricas e Norte de Portugal

Separamos um dia para percorrer os campos e estradas portuguesas, passando pelas aldeias históricas e lugarejos pequenos quase nunca visitados por turistas. Deixamos o dia para mochilar por lugares pouco conhecidos pelos brasileiros, que quando vem a Portugal visitam as grandes cidades e partem para outros países e capitais. Nossa intenção era viver um pouco do interior português e conhecer a região.




Mas passamos esse dia na região porque nosso objetivo fazer um resgate as nossas origens em Portugal. Conhecer as terras de onde meus avós e o pai da Aline saíram foi o que nos motivou a ficar tanto tempo em Portugal, mesmo com muita gente afirmando que devíamos aproveitar que estávamos na Europa para conhecer vários lugares.

Fizemos o início do percurso de carona com um primo que nos levou até a região da Serra da Estrela e me ajudou a encontrar o local de onde meus avós saíram. Parte deste percurso fizemos por nossa conta, com um carro alugado que usamos também na região da Guarda (conto no próximo post).

Percorremos a parte final do roteiro apresentado em um tour que uma tia minha, que mora em Portugal, agendou com antecedência e cujo objetivo era levar pessoas para conhecer as regiões onde as amendoeiras florescem. Dividimos um ônibus com um grupo de senhoras que queria comprar produtos regionais nas diversas feiras do percurso, enquanto nós só queríamos conhecer as cidades em cada parada.

É possível fazer todo o percurso em um dia, com muitas outras paradas interessantes no caminho, alugando-se um carro e percorrendo as ótimas estradas portuguesas.

Estrada na região rural do norte português

Oliveira do Hospital

Seguindo para a região da Serra da Estrela, nossa primeira parada foi em Oliveira do Hospital, na região das Beiras portuguesas. Foi da região rural de Lagares da Beira que meus avós saíram para tentar a vida no Brasil.

 
Oliveira do Hospital

Apenas passamos pelo centro de Oliveira do Hospital, conhecemos suas praças modernizadas, mas deu para notar pelas casas de pedra em meio a paisagem que a pequena cidade não mudou muito ao longo do tempo.

 
Moderna praça principal de Oliveira do Hospital
 
Casas de pedra ao redor da moderna praça


Essas terras já pertenceram aos Cavaleiros da Ordem de Malta lá perto dos anos de 1120. Percorremos a zona rural e cruzamos Lagares da Beira com suas casas de pedra em meios as quintas de criação de animais e com muitas ruínas de casas abandonadas por famílias que vieram para o Brasil décadas atrás. Graças ao meu primo (que conheci pessoalmente apenas em Portugal) consegui visitar a casa que pertenceu a minha avó no passado.

Estrada para região rural de Lagares da Beira

Aldeias abandonadas em Lagares da Beira

Antiga casa de minha avó

Linhares da Beira

Deixando Oliveira do Hospital e seguindo em direção a Serra da Estrela encontramos a cidade de Linhares da Beira. Da estrada nos chama a atenção o Castelo no topo da cidade.

 
Castelo de Linhares na região das Beiras

Linhares é uma das cidades do Circuito de Aldeias Históricas de Portugal e preserva ruas e casas medievais.

 
Aldeia Histórica de Linhares da Beira

Caminhando por entre ruas quase desertas pode-se admirar a arquitetura medieval presente nas ruas estreitas e casas de pedra, além de fontes públicas de água ainda preservadas desde o século XV.


Destaca-se na paisagem a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção em meio a uma praça, além da Capela do Senhor dos Passos construída em pedra.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção em meio as casas medievais de Linhares da Beira

Capela do Senhor dos Passos

A aldeia é bem pequena e logo chegamos na principal atração do lugar, o Castelo de Linhares da Beira.




Na verdade o castelo é atualmente apenas uma grande muralha com a Torre de Menagem e uma Torre Sineira. De dentro de suas muralhas se tem uma ótima vista da paisagem da região da Beira Alta portuguesa.

Ao fundo a Torre Sineira

Torre de Menagem vista por dentro

A região das Beiras portuguesas vista do alto da Castelo de Linhares

Na Torre Sineira está o mecanismo original de um relógio de 1964 que é réplica do original do século XVII. O mecanismo utiliza a gravidade para mover dois pêndulos de pedra para indicar as horas. Os pêndulos devem ser reerguidos manualmente a cada seis dias, através de um sistema de roldanas. É possível subir na torre e conhecer todo o mecanismo que ainda funciona. Do lado de fora um sino do ano de 1817 soa a cada trinta minutos, indicando as horas à população.

Pêndulos originais do relógio



Trancoso

Subindo a rodovia pela Serra da Estrela chegamos a cidade de Trancoso. A entrada da cidade é marcada pelas Portas de El Rei, um grande portão ladeado por duas torres de pedras que fazem parte da muralha que cerca a cidade.

 
Portas do Rei: Entrada principal da cidade de Trancoso

Trancoso é mais uma das cidades do Circuito de Aldeias Históricas de Portugal e tem como curiosidade ter sido um presente de casamento, pois quando o rei Dinis aqui se casou com Isabel em 1283, ela recebeu Trancoso do marido como um dos presentes (que incluía outras quatro cidades, como Óbidos, por exemplo).

 
Ruas e casas de Trancoso
 
Ruela típica das aldeias históricas



A Rua da Corredoura leva até a Igreja de São Pedro que é mencionada pela primeira vez no ano de 1320. A igreja medieval foi substituída pela atual no século XVIII. O templo estava fechado e não pudemos entrar, mas uma placa indicava que no interior estava o mausoléu de Gonçalo Annes Bandarra, um trovador sepultado neste local no século XVI.

 
Igreja de São Pedro

Gonçalo Annes Bandarra foi um sapateiro trovador que interpretava a Bíblia em seus versos e por isso chegou a ser julgado pela inquisição. Ficou conhecido como profeta, principalmente por conta dos versos que previam a volta do Rei D. Sebastião, desaparecido em batalha (o que nuca aconteceu). Na praça diante da igreja está uma estátua em sua homenagem.

 
Estátua do profeta e trovador Gonçalo Annes Bandarra, sepultado na Igreja de Trancoso

Como muitas outras cidades medievais Trancoso mantém o que sobrou de seu castelo original em meio as casas atuais e ruas de pedras.

 
Castelo de Trancoso

Estima-se que o castelo foi construído no século IX, no período pré-romano e foi palco de inúmeras batalhas, principalmente entre cristãos e mulçumanos. No interior o Pátio de Armas dá uma ideia da grandeza do castelo que foi classificado como Monumento Nacional em 1921.

 
O castelo visto da rua
 
Pátio de Armas

Muralhas do castelo vistas de dentro


O castelo sofreu muitas reconstruções e reformas ao longo dos séculos, mas a Torre de Menagem é a original até os dias de hoje, como também a muralha da antiga vila medieval.

Torre de Menagem original do período pré-romano

Marialva

Seguindo pelo Circuito de Aldeias Históricas chegamos a Marialva, que fica a apenas 14 Km de Trancoso, sempre em direção ao Norte de Portugal.

 
Aldeia Histórica de Marialva

A aldeia que hoje existe no sopé de uma colina baixa é na verdade uma nova cidade, pois a chamada Cidade Velha de Marialva foi abandonada entre suas muralhas na parte de cima da colina.

 
A cidade nova de Marialva vista da cidade velha

A cidade é na verdade muito mais antiga do que aparenta, pois há registros de uma ocupação neste lugar antes dos romanos dominarem a Europa. Com o domínio romano a cidade foi um importante ponto de cruzamento de vias. Tomada pelos Godos e depois pelos árabes a cidade foi conquistada em 1063 por Fernando de Leão e Castela.

 
Muralha da cidade abandonada de Marialva
 

Uma das entradas da cidade velha



Com o surgimento de Portugal pelas mãos (espadas!!!) de Afonso Henriques a cidade foi reconquistada por volta do ano de 1200, mas hoje ruínas abandonadas é tudo que resta da aldeia original no topo da colina.





Não se sabe o motivo da cidade ter se tornado uma ruína, pois não há registros de batalhas e todas as construções aparentam terem sido abandonadas. Aparentemente a população simplesmente se foi em busca de terras melhores em um passado distante.

 
Cidade abandonada intacta
 
Marialva se tornou uma "cidade-fantasma"



Carvalhal de Meda

Depois de conhecer as origens de minha família era hora da Aline descobrir o lugar de onde o pai saiu e percorremos alguns quilômetros em uma simpática estradinha em meio a campos de pastores até a aldeia de Carvalhal, entre Marialva e Meda. Não indico o lugar como turístico, apenas passamos por lá para conhecer o lugar onde o pai da Aline nasceu e viveu os primeiros anos de vida.

 
Estrada entre Marialva e Carvalhal de Meda
 
Aldeia de Carvalhal próxima a Meda


Carvalhal é uma pequenina aldeia de apenas 140 habitantes que parece ter parado no tempo. Casas de pedra, típicas de todas as aldeias medievais, marcam as poucas ruas em torno de uma pequena praça.

 
A pequena Carvalhal de Meda com apenas 140 habitantes

Um riacho conduz até o lugar onde no passado as senhoras lavavam as roupas na praça, tudo como fora descrito pelo pai da Aline e saindo da praça principal encontramos a Igreja de Nossa senhora dos Prazeres, onde ele havia sido coroinha na infância, antes de vir para o Brasil.

 
Antigo lavatório de roupas
 
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres


Por fim encontramos um senhor que conhecia o pai dela e até uns primos que nem sabíamos que existiam, conversamos um pouco e descobrimos que Carvalhal hoje envelheceu não só nas fachadas, mas também na população, já que os jovens deixam a aldeia em busca de estudos e oportunidades nas cidades maiores.

 
Aline e um morador local: Ótima conversa com os anciãos da aldeia

No fim Aline não só conheceu a cidade do pai, como também parentes que ainda moram por lá e nós descobrimos como é a vida no interior rural de Portugal em lugares pacatos que pararam no tempo e podem desaparecer com o abandono da população.

 
Praça principal de Carvalhal


Vila Nova de Foz Côa

Seguindo rumo ao norte português está um dos maiores sítios arqueológicos do país, no Vale do Côa. Descoberta em 1933 estima-se ter mais de 20 mil pinturas rupestres na região. É possível fazer visitas ao parque arqueológico, mas devem ser agendadas com antecedência, o que não era nosso caso.

 
Capela e cemitério na praça de Vila Nova de Foz Côa

Estivemos por lá em março de 2015 e esta é a época em que as amendoeiras florescem e vários festivais são realizados nas cidades em comemoração ao fato.

 
Amendoeira florida em Foz Côa

Fizemos então uma parada rápida na pequena Vila Nova de Foz Côa, onde estava ocorrendo uma feira de produtos artesanais, como parte do circuito das amendoeiras em flor.

Feira de produtos regionais no festival das amendoeiras em flor
Nas estradas, nos arredores, as amendoeiras em flor proporcionam belas vistas em meio aos campos verdes. É a marca do fim do inverno e o sinal de que a primavera vem chegando na Europa.

Amendoeiras em Flor
  

Vila Flor

Chegando a cidadela encontramos uma estátua do Rei D. Dinis com um mural que relembra o fato da mudança do nome original do lugar de “Póvoa de Além Sabor” para a atual Vila Flor em 1286.

Estátua do Rei Dinis em Vila Flor
 
Um pouco da simpática Vila Flor

Pode-se encontrar também uma estátua em homenagem a esposa do Rei D. Dinis, a Rainha Isabel de Aragão, a Santa, que após a morte de seu marido caminhou até Santiago de Compostela e lá doou muitos de seus bens para os pobres, retornando a Portugal se recolheu no Mosteiro de Santa Clara em Coimbra e ingressou na Ordem das Clarissas, mantendo as doações de suas posses para caridade. Devotos colocam rosas nas mãos da estátua devido a lenda de que ela fora apanhada por seu marido levando pães para os pobres e disse-lhe que eram rosas, quando o rei pediu a cesta para olhar confirmou que haviam rosas, apesar de estarem em pleno inverno. A santa ficou conhecida por intervir e impedir algumas batalhas pelo poder no período até sua morte e foi canonizada em 1742.

 
Estátua em homenagem a Rainha Santa Isabel, esposa do Rei Dinis que se dedicou aos pobres

Passamos rápido por Vila Flor e fomos na Feira Terra Flor de Produtos Regionais. Depois uma volta pelo centro até a Igreja da Misericórdia e seguimos viagem.

 
Ruas largas de Vila Flor
  
Igreja da Misericórdia


Mirandela

Nosso destino mais ao norte de Portugal foi a bonita e simpática cidadezinha de Mirandela, que margeia o Rio Tua e se conecta sobre ele com uma elegante ponte romana.

 
Mirandela

Localizada no Vale do Rio Tua na região de Trás-os-Montes, Mirandela é conhecida como “Princesa do Tua” e em homenagem a essa alcunha foi inaugurada uma fonte batizada por este nome. Outro monumento famoso é a estátua de uma menina com uma pomba na mão, que representa a pureza, beleza, inocência e a paz.

Chafariz Princesa do Tua
 
A menina e a pomba: Símbolo de pureza, beleza, inocência e paz

Como estávamos na época do florescer das amendoeiras, acontecia uma feira regional típica na cidade. Diversas barracas vendiam produtos como queijo de cabra e as famosas alheiras de Mirandela. Algumas barracas preparavam um tipo de churrasco de carne de porco com o animal inteiro girando sobre brasas na calçada.


Feira de Mirandela


Produtos a venda e para degustação na feira

Caminhando pela cidade pudemos ver o bonito prédio da prefeitura, construído no século XVII.

 
Prefeitura de Mirandela

Mais a principal construção da cidade é, sem sombra de dúvidas, a ponte de pedras construída pelo império romano, na época em que o mesmo se estendia por toda a Europa. Com vinte arcos assimétricos a ponte foi projetada originalmente para passagem de tropas, mas depois de refeita no século XVI passou a ser uma importante ligação de pedestres na região.

 
Ponte romana de Mirandela: Vinte arcos assimétricos cruzam o Rio Tua

Cruzamos a ponte e descobrimos uma história no mínimo interessante. Em 1919 ocorreu uma revolta militar no Porto em prol do retorno da monarquia em Portugal, esse movimento se espalhou por grande parte do norte português, chegando a Mirandela. Tropas monárquicas se posicionaram em uma das margens do rio, enquanto os republicanos defendiam a cidade na outra margem.

 
A ponte com a cidade ao fundo

Barreiras fechavam a passagem nesta ponte e foram lançadas 235 granadas sobre a cidade em defesa. Muitos dos prédios próximos a ponte foram destruídos e até hoje pode-se ver um buraco na ponte que é atribuído ao bombardeio. No fim os monárquicos se retiraram do norte para Espanha e Portugal continuou sendo uma república.

 
A fenda do bombardeiro de 1919 ainda está na ponte

Terminamos nossa visita ao norte português com uma oração na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, padroeira de Mirandela.

 
Igreja de Nossa Senhora do Amparo

Gastos para 2 pessoas em Março de 2015:

- Desjejum: € 5,20
- Almoço: € 9,60
- Tour pela região das Amendoeiras em Flor: € 30,00
- Compras nas feiras regionais: € 4,90
- Jantar: € 5,55

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