Separamos um dia para percorrer os campos e estradas portuguesas,
passando pelas aldeias históricas e lugarejos pequenos quase nunca visitados
por turistas. Deixamos o dia para mochilar por lugares pouco conhecidos pelos
brasileiros, que quando vem a Portugal visitam as grandes cidades e partem para
outros países e capitais. Nossa intenção era viver um pouco do interior
português e conhecer a região.
Mas passamos esse dia na região porque nosso objetivo fazer um
resgate as nossas origens em Portugal. Conhecer as terras de onde meus avós e o
pai da Aline saíram foi o que nos motivou a ficar tanto tempo em Portugal,
mesmo com muita gente afirmando que devíamos aproveitar que estávamos na Europa
para conhecer vários lugares.
Fizemos o início do percurso de carona com um primo que nos levou
até a região da Serra da Estrela e me ajudou a encontrar o local de onde meus
avós saíram. Parte deste percurso fizemos por nossa conta, com um carro alugado
que usamos também na região da Guarda (conto no próximo post).
Percorremos a parte final do roteiro apresentado em um tour que
uma tia minha, que mora em Portugal, agendou com antecedência e cujo objetivo
era levar pessoas para conhecer as regiões onde as amendoeiras florescem.
Dividimos um ônibus com um grupo de senhoras que queria comprar produtos
regionais nas diversas feiras do percurso, enquanto nós só queríamos conhecer
as cidades em cada parada.
É possível fazer todo o percurso em um dia, com muitas outras
paradas interessantes no caminho, alugando-se um carro e percorrendo as ótimas
estradas portuguesas.
Oliveira do Hospital
Seguindo para a região da Serra da Estrela, nossa primeira parada
foi em Oliveira do Hospital, na região das Beiras portuguesas. Foi da região
rural de Lagares da Beira que meus avós saíram para tentar a vida no Brasil.
Apenas passamos pelo centro de Oliveira do Hospital, conhecemos
suas praças modernizadas, mas deu para notar pelas casas de pedra em meio a paisagem que a
pequena cidade não mudou muito ao longo do tempo.
Moderna praça principal de Oliveira do Hospital |
Casas de pedra ao redor da moderna praça |
Essas terras já pertenceram aos Cavaleiros da Ordem de Malta lá
perto dos anos de 1120. Percorremos a zona rural e cruzamos Lagares da Beira
com suas casas de pedra em meios as quintas de criação de animais e com muitas
ruínas de casas abandonadas por famílias que vieram para o Brasil décadas
atrás. Graças ao meu primo (que conheci pessoalmente apenas em Portugal)
consegui visitar a casa que pertenceu a minha avó no passado.
Estrada para região rural de Lagares da Beira |
Aldeias abandonadas em Lagares da Beira |
Antiga casa de minha avó |
Linhares da Beira
Deixando Oliveira do Hospital e seguindo em direção a Serra da
Estrela encontramos a cidade de Linhares da Beira. Da estrada nos chama a
atenção o Castelo no topo da cidade.
Linhares é uma das cidades do Circuito de Aldeias Históricas de
Portugal e preserva ruas e casas medievais.
Caminhando por entre ruas quase desertas pode-se admirar a
arquitetura medieval presente nas ruas estreitas e casas de pedra, além de
fontes públicas de água ainda preservadas desde o século XV.
Destaca-se na paisagem a Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Assunção em meio a uma praça, além da Capela do Senhor dos Passos construída em
pedra.
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção em meio as casas medievais de Linhares da Beira |
Capela do Senhor dos Passos |
A aldeia é bem pequena e logo chegamos na principal atração do
lugar, o Castelo de Linhares da Beira.
Na verdade o castelo é atualmente apenas uma grande muralha com a
Torre de Menagem e uma Torre Sineira. De dentro de suas muralhas se tem uma
ótima vista da paisagem da região da Beira Alta portuguesa.
Ao fundo a Torre Sineira |
Torre de Menagem vista por dentro |
A região das Beiras portuguesas vista do alto da Castelo de Linhares |
Na Torre Sineira está o mecanismo original de um relógio de 1964
que é réplica do original do século XVII. O mecanismo utiliza a gravidade para
mover dois pêndulos de pedra para indicar as horas. Os pêndulos devem ser
reerguidos manualmente a cada seis dias, através de um sistema de roldanas. É
possível subir na torre e conhecer todo o mecanismo que ainda funciona. Do lado
de fora um sino do ano de 1817 soa a cada trinta minutos, indicando as horas à
população.
Pêndulos originais do relógio |
Trancoso
Subindo a rodovia pela Serra da Estrela chegamos a cidade de
Trancoso. A entrada da cidade é marcada pelas Portas de El Rei, um grande
portão ladeado por duas torres de pedras que fazem parte da muralha que cerca a
cidade.
Trancoso é mais uma das cidades do Circuito de Aldeias Históricas
de Portugal e tem como curiosidade ter sido um presente de casamento, pois
quando o rei Dinis aqui se casou com Isabel em 1283, ela recebeu Trancoso do
marido como um dos presentes (que incluía outras quatro cidades, como Óbidos,
por exemplo).
Ruas e casas de Trancoso |
Ruela típica das aldeias históricas |
A Rua da Corredoura leva até a Igreja de São Pedro que é
mencionada pela primeira vez no ano de 1320. A igreja medieval foi substituída
pela atual no século XVIII. O templo estava fechado e não pudemos entrar, mas
uma placa indicava que no interior estava o mausoléu de Gonçalo Annes Bandarra,
um trovador sepultado neste local no século XVI.
Gonçalo Annes Bandarra foi um sapateiro trovador que interpretava
a Bíblia em seus versos e por isso chegou a ser julgado pela inquisição. Ficou
conhecido como profeta, principalmente por conta dos versos que previam a volta
do Rei D. Sebastião, desaparecido em batalha (o que nuca aconteceu). Na praça
diante da igreja está uma estátua em sua homenagem.
Como muitas outras cidades medievais Trancoso mantém o que sobrou
de seu castelo original em meio as casas atuais e ruas de pedras.
Estima-se que o castelo foi construído no século IX, no período
pré-romano e foi palco de inúmeras batalhas, principalmente entre cristãos e
mulçumanos. No interior o Pátio de Armas dá uma ideia da grandeza do castelo
que foi classificado como Monumento Nacional em 1921.
O castelo visto da rua |
Pátio de Armas |
Muralhas do castelo vistas de dentro |
O castelo sofreu muitas reconstruções e reformas ao longo dos
séculos, mas a Torre de Menagem é a original até os dias de hoje, como também a
muralha da antiga vila medieval.
Torre de Menagem original do período pré-romano |
Marialva
Seguindo pelo Circuito de Aldeias Históricas chegamos a Marialva,
que fica a apenas 14 Km de Trancoso, sempre em direção ao Norte de Portugal.
A aldeia que hoje existe no sopé de uma colina baixa é na verdade
uma nova cidade, pois a chamada Cidade Velha de Marialva foi abandonada entre
suas muralhas na parte de cima da colina.
A cidade é na verdade muito mais antiga do que aparenta, pois há
registros de uma ocupação neste lugar antes dos romanos dominarem a Europa. Com
o domínio romano a cidade foi um importante ponto de cruzamento de vias. Tomada
pelos Godos e depois pelos árabes a cidade foi conquistada em 1063 por Fernando
de Leão e Castela.
Muralha da cidade abandonada de Marialva |
Uma das entradas da cidade velha |
Com o surgimento de Portugal pelas mãos (espadas!!!) de Afonso
Henriques a cidade foi reconquistada por volta do ano de 1200, mas hoje ruínas
abandonadas é tudo que resta da aldeia original no topo da colina.
Não se sabe o motivo da cidade ter se tornado uma ruína, pois não
há registros de batalhas e todas as construções aparentam terem sido
abandonadas. Aparentemente a população simplesmente se foi em busca de terras
melhores em um passado distante.
Cidade abandonada intacta |
Marialva se tornou uma "cidade-fantasma" |
Carvalhal de Meda
Depois de conhecer as origens de minha família era hora da Aline
descobrir o lugar de onde o pai saiu e percorremos alguns quilômetros em uma
simpática estradinha em meio a campos de pastores até a aldeia de Carvalhal,
entre Marialva e Meda. Não indico o lugar como turístico, apenas passamos por
lá para conhecer o lugar onde o pai da Aline nasceu e viveu os primeiros anos
de vida.
Estrada entre Marialva e Carvalhal de Meda |
Aldeia de Carvalhal próxima a Meda |
Carvalhal é uma pequenina aldeia de apenas 140 habitantes que
parece ter parado no tempo. Casas de pedra, típicas de todas as aldeias
medievais, marcam as poucas ruas em torno de uma pequena praça.
Um riacho conduz até o lugar onde no passado as senhoras lavavam
as roupas na praça, tudo como fora descrito pelo pai da Aline e saindo da praça
principal encontramos a Igreja de Nossa senhora dos Prazeres, onde ele havia
sido coroinha na infância, antes de vir para o Brasil.
Antigo lavatório de roupas |
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres |
Por fim encontramos um senhor que conhecia o pai dela e até uns
primos que nem sabíamos que existiam, conversamos um pouco e descobrimos que
Carvalhal hoje envelheceu não só nas fachadas, mas também na população, já que
os jovens deixam a aldeia em busca de estudos e oportunidades nas cidades
maiores.
No fim Aline não só conheceu a cidade do pai, como também parentes
que ainda moram por lá e nós descobrimos como é a vida no interior rural de
Portugal em lugares pacatos que pararam no tempo e podem desaparecer com o
abandono da população.
Vila Nova de Foz Côa
Seguindo rumo ao norte português está um dos maiores sítios
arqueológicos do país, no Vale do Côa. Descoberta em 1933 estima-se ter mais de
20 mil pinturas rupestres na região. É possível fazer visitas ao parque
arqueológico, mas devem ser agendadas com antecedência, o que não era nosso
caso.
Estivemos por lá em março de 2015 e esta é a época em que as
amendoeiras florescem e vários festivais são realizados nas cidades em
comemoração ao fato.
Fizemos então uma parada rápida na pequena Vila Nova de Foz Côa,
onde estava ocorrendo uma feira de produtos artesanais, como parte do circuito
das amendoeiras em flor.
Feira de produtos regionais no festival das amendoeiras em flor |
Nas estradas, nos arredores, as amendoeiras em flor proporcionam
belas vistas em meio aos campos verdes. É a marca do fim do inverno e o sinal
de que a primavera vem chegando na Europa.
Amendoeiras em Flor |
Vila Flor
Chegando a cidadela encontramos uma estátua do Rei D. Dinis com um
mural que relembra o fato da mudança do nome original do lugar de “Póvoa de
Além Sabor” para a atual Vila Flor em 1286.
Estátua do Rei Dinis em Vila Flor |
Pode-se encontrar também uma estátua em homenagem a esposa do Rei
D. Dinis, a Rainha Isabel de Aragão, a Santa, que após a morte de seu marido
caminhou até Santiago de Compostela e lá doou muitos de seus bens para os
pobres, retornando a Portugal se recolheu no Mosteiro de Santa Clara em Coimbra
e ingressou na Ordem das Clarissas, mantendo as doações de suas posses para
caridade. Devotos colocam rosas nas mãos da estátua devido a lenda de que ela
fora apanhada por seu marido levando pães para os pobres e disse-lhe que eram
rosas, quando o rei pediu a cesta para olhar confirmou que haviam rosas, apesar
de estarem em pleno inverno. A santa ficou conhecida por intervir e impedir algumas
batalhas pelo poder no período até sua morte e foi canonizada em 1742.
Passamos rápido por Vila Flor e fomos na Feira Terra Flor de
Produtos Regionais. Depois uma volta pelo centro até a Igreja da Misericórdia e
seguimos viagem.
Ruas largas de Vila Flor |
Igreja da Misericórdia |
Mirandela
Nosso destino mais ao norte de Portugal foi a bonita e simpática
cidadezinha de Mirandela, que margeia o Rio Tua e se conecta sobre ele com uma
elegante ponte romana.
Localizada no Vale do Rio Tua na região de Trás-os-Montes,
Mirandela é conhecida como “Princesa do Tua” e em homenagem a essa alcunha foi
inaugurada uma fonte batizada por este nome. Outro monumento famoso é a estátua
de uma menina com uma pomba na mão, que representa a pureza, beleza, inocência
e a paz.
Chafariz Princesa do Tua |
Como estávamos na época do florescer das amendoeiras, acontecia
uma feira regional típica na cidade. Diversas barracas vendiam produtos como
queijo de cabra e as famosas alheiras de Mirandela. Algumas barracas preparavam
um tipo de churrasco de carne de porco com o animal inteiro girando sobre
brasas na calçada.
Feira de Mirandela |
Caminhando pela cidade pudemos ver o bonito prédio da prefeitura,
construído no século XVII.
Mais a principal construção da cidade é, sem sombra de dúvidas, a
ponte de pedras construída pelo império romano, na época em que o mesmo se
estendia por toda a Europa. Com vinte arcos assimétricos a ponte foi projetada
originalmente para passagem de tropas, mas depois de refeita no século XVI
passou a ser uma importante ligação de pedestres na região.
Cruzamos a ponte e descobrimos uma história no mínimo
interessante. Em 1919 ocorreu uma revolta militar no Porto em prol do retorno
da monarquia em Portugal, esse movimento se espalhou por grande parte do norte
português, chegando a Mirandela. Tropas monárquicas se posicionaram em uma das
margens do rio, enquanto os republicanos defendiam a cidade na outra margem.
Barreiras fechavam a passagem nesta ponte e foram lançadas 235
granadas sobre a cidade em defesa. Muitos dos prédios próximos a ponte foram
destruídos e até hoje pode-se ver um buraco na ponte que é atribuído ao
bombardeio. No fim os monárquicos se retiraram do norte para Espanha e Portugal
continuou sendo uma república.
Terminamos nossa visita ao norte português com uma oração na
Igreja de Nossa Senhora do Amparo, padroeira de Mirandela.
Gastos
para 2 pessoas em Março de 2015:
- Desjejum: € 5,20
- Almoço: € 9,60
- Tour pela região das Amendoeiras em Flor: € 30,00
- Compras nas feiras regionais: € 4,90
- Jantar: € 5,55
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