3º Dia na Bolívia:
Chegamos
a Potosí por volta das 20h e fomos direto para o hostel que havíamos reservado
para passar a noite (Hostel Tukos
La Casa Real, Villa Imperial de Potosí 5911, tel: 591 2 6230689 -
U$40 o quarto para duas pessoas com banheiro privativo). Estávamos muito
cansados da viagem e com fome, pois tínhamos passado o dia todo só com o lanche
de Sucre. O hostel fica próximo da praça principal e logo paramos para jantar no
Café 4060 (Calle Hoyos, n° 1), aproveitei e provei uma “Potosina” cerveja
artesanal local. Depois cama.
A noite uma Potosina... |
Acordei com uma dor de cabeça gigantesca, meu estomago estava embrulhado e
mal consegui sair da cama. O desayuno
era bom, mas eu não conseguia nem sentir o cheiro da comida, tentei comer uma
torrada com manteiga e já voltei correndo para o banheiro do quarto com ânsia
de vômito. O simples ato de subir as escadas para o quarto já me deixava
cansado, mal conseguia andar. Deitei novamente. Potosí é a cidade mais alta do
mundo, está a mais de 4000 m acima do nível do mar, os efeitos da altitude
foram devastadores na minha primeira manhã por lá. Quando enfim levantei, desci
e me ofereceram um chá de coca (é horrível para quem, como eu, nem toma chá) e Soroche Pils (uma pípula milagrosa para
os males da altitude) para tentar melhorar.
... de manhã Mate de Coca |
Em
pouco tempo melhorei de todos os sintomas e a não ser o cansaço gigantesco que
sentia com qualquer tarefa simples.
A
mulher na recepção do hostel ofereceu um passeio pelas famosas minas de Potosí.
Fechamos por Bs$ 100, por pessoa, com a empresa Big Deal Tours (Calle
bustillos, 1092 – bigdealtours.blogspot.com) indicada. Recomendo muito a
empresa, fomos muito bem atendidos e nosso guia o Sr. Wilson, um ex-mineiro,
era muito simpático e atencioso conosco. O grupo se formou com mais 3 pessoas
além de nós dois. Eram duas meninas suíças, Karen e Eileen que eram primas e
estavam de férias juntas no mochilão e um rapaz também suíço que não as
conhecia até esse momento e estava cruzando as Américas de carro. Peter, como
ele se chamava, morou em São Paulo por um tempo, comprou o carro e saiu
viajando pelo continente, nos disse que iria até a Venezuela, depois entraria
no Brasil, venderia o carro e iria para a América Central. Fizemos uma amizade
rápida com os 3 e fomos para o mercado dos mineiros, onde se vende de tudo que
se pode imaginar para os trabalhos nas minas. Nosso guia nos explicou que
deveríamos comprar presentes para os mineiros, já que iríamos estar cruzando o
local de trabalho durante a jornada deles. Era como um “passe” que faria com
que os trabalhadores não se importassem com nossa presença “atrapalhando” o
serviço no interior da montanha.
Wilson comprando folhas e cigarros de Coca no mercado dos mineiros |
Compramos
diversos presentes, entre eles muitas folhas de coca, refresco e um tipo de
álcool potável. Também compramos um saco de folhas de coca para cada um de nós,
pois segundo o guia iríamos precisar para suportar a mina. Eu ainda sentia
algum efeito da altitude e já fui logo mascando minhas folhinhas. De lá fomos
para uma casa da agência nos “vestir”. Calçamos botas de PVC no lugar de nossos
sapatos e colocamos um tipo de macacão por cima das roupas para proteger da
poeira, além de capacetes com lanternas. No fim de tudo concluí que todo
equipamento que nos fornecem não serve para abater nem metade das agressões que o
ambiente na mina nos expõe.
Partimos
em uma Van para a montanha de Cerro Rico, o guia nos explica que a cidade
cresceu aos pés do “Monte de Prata”. Potosí foi criada em 1546 com a exploração
espanhola do metal e era uma cidade que servia apenas à exploração das minas,
dando o suporte básico aos trabalhadores.
A
prata era tão abundante nos tempos na época colonial que era visível sobre o
terreno montanhoso, sendo extraída da parte de cima do morro, a céu aberto. No
final do século XVI, aproximadamente a metade de toda a produção de prata do
mundo vinha de Potosí. No século XVIII a exploração passou para a parte de
baixo do Cerro Rico, retirando-se dele além da prata, estanho, zinco, chumbo,
cobre, ferro e outros 97 tipos de metais. Após isso, os trabalhos se
direcionaram cada vez mais para o interior do morro até os dias de hoje.
O
guia não cansava de dizer que deveríamos mascar mais e mais folhas de coca,
para aguentar o ambiente nas minas, e assim fazíamos nós 5 dentro da van. Ele
nos ensinou a conservar um punhado de folhas dentro da boca, no canto, junto a
bochecha como fazem os mineiros.
Finalmente
chegamos a base de Cerro Rico e de perto pudemos ver as vilas de trabalhadores
nas entradas das minas. A paisagem é extremamente árida e não existem indícios
de riquezas no seu entorno.
Casas na vila da cooperativa de trabalhadores |
Paramos em uma oficina para ver o processo de trabalho de retirada da prata das rochas e o beneficiamento do metal. O lugar é bem primitivo, com maquinário que nos remete ao passado. O processo apresentado pelo guia me pareceu bem amador. Pegamos um pó prateado nos dedos e nosso guia, brincando conosco, passou nas nossas bochechas para “entrarmos no clima” da mina.
Oficina de beneficiamento de metais |
Em
seguida, partimos para a entrada da mina onde víamos os mineiros saindo com
carrinhos cheios de terra e pedras pelos trilhos. Visitaríamos a área de
trabalho da Cooperativa Unificada passando por duas minas: Rosário e
Candelária. No pórtico de entrada recebemos as instruções de como andar no
interior da montanha, disputando os trilhos com os carrinhos dos mineiros.
Segundo o guia, os vagões são empurrados pelos trabalhadores que não veem o que
esta a frente, portanto quando ouvíssemos o som das rodas nos trilhos
deveríamos correr e nos abrigar nas reentrâncias das paredes do túnel,
esperando os vagões passarem.
Entrada da Mina Candelária |
Acendemos
as luzes nos capacetes e mergulhamos no mundo subterrâneo que são as minas. Se
posso dar dicas para visitar as minas essas dicas são: usem a pior roupa que
tiverem, a mais velha na mochila. O ambiente é totalmente insalubre. A poeira é
tanta que ofusca a luz da lanterna diminuindo a visão. Outra dica importante é:
comprem uma máscara para poeira! Eu não tinha uma e passei horas respirando pó
e terra.
Visitar
as minas de Cerro Rico é uma experiência única. Acredito que não faria novamente,
apesar de afirmar categoricamente que todos deveriam ir lá conhecer. Não é um
passeio turístico daqueles que se vai a um lugar que tenta reconstruir cenários
para demonstrar algo. É um mergulho na vida real daquelas pessoas lá dentro no
meio de um dia de trabalho de verdade, uma experiência social intensa.
Dentro
da mina anda-se por horas nos mais diversos túneis, alguns altos e espaçosos
para duas ou três pessoas andarem lado a lado, e muitos tão pequenos e
apertados que tem-se que andar agachado sobre os joelhos quase de cócoras. A
coluna dói. O capacete vai batendo contra pedras e vigas de sustentação do
teto, sem falar na poeira sempre cobrindo tudo impiedosamente. Quando menos se
espera vem o grito de “sai da frente” e todos pulam para o lado com as costas
coladas na pedra até que o carrinho empurrado por um mineiro passe em alta
velocidade por nós, sumindo na escuridão dos túneis.
Passávamos
por muitos trabalhadores suados e sujos de terra no meio de um dia de labuta,
para uns éramos indiferentes, outros viravam o rosto e demonstravam como não
éramos bem vindos ali, oferecíamos os presentes comprados antes, sempre aceitos
imediatamente. Alguns vinham nos abordar e pediam folhas de coca ou refresco,
dávamos prontamente, era nosso “passe” lá dentro. Em alguns momentos paramos para
conversar com mineiros ex-colegas de trabalho de nosso guia. Ficamos a vontade
para perguntar sobre a vida nas minas e entendemos melhor o que faz com que
homens trabalhem por 10h, 12h ou até 20h num dia no subsolo de Cerro Rico atrás
de prata e outros metais. Entendemos que a honra de ser um mineiro livre em uma
cooperativa não se paga. Entendemos que o que para nós é absurdo é para eles
sinal de força, e de honra. Entendemos que muitos estão ali não por falta de
opção e sim por uma escolha própria, por terem a profissão que o pai teve e o
avô antes dele, apesar de muitos concordarem que deixariam aquela vida um dia.
Na verdade a expectativa de vida dentro das minas não é muito alta, os mineiros
adoecem cedo e morrem antes dos 50 anos, muito raro um mineiro com mais do que
esta idade. Vimos crianças de 12 ou 14 anos nas minas, já empurrando os
carrinhos com 10 vezes seu peso.
Paramos
em uma gruta escavada onde um mineiro trabalhava. Nosso guia nos explicou a
ascensão e queda de Potosí e de Cerro Rico. Por volta do século passado a maior
parte da prata já tinha se exaurido da montanha e a população de Potosí caiu
drasticamente, pois a cidade, antes rica era abandonada já em decadência. O
declínio econômico foi inevitável. A cada dia que se passa fica mais difícil ter
ganhos com a mineração. Aqueles que puderam estudar largaram a mineração e hoje
são guias de turismo, ou seja, continuam vivendo da mina, mas com outra visão
de negócios. Esse é o caso de nosso guia Wilson, mas muitos continuam minerando
atrás do sonho de acharem uma fortuna e se aposentarem de vez, sonho esse que
cada dia se torna mais difícil e distante para todos lá dentro.
Continuamos
por entre túneis apertados e empoeirados, e admito que com mais de 1h de
caminhada eu já não aguentava mais o ambiente. Sentia as pernas doloridas de
andar agachado, queria ver a luz do dia. Em muitas pedras afloravam substâncias
tóxicas e podíamos ver os veios de cobre a olho nu, alertados sempre pelo guia
de que não deveríamos tocar nestas pedras. Meu nariz tinha tanta terra que mal
conseguia respirar. E aqui deixo um recado importante: se você é claustrofóbico
não chegue nem perto de Cerro Rico. Chegamos a uma passagem de nível. Uma
escada formada de vergalhões dobrados de forma irregular e fincados na pedra
através de um buraco que nos levava para cima. Subimos uns dois níveis nas
minas e chegamos a uma caverna no mínimo interessante.
No
canto da escavação na pedra havia um grande boneco chifrudo nu, com barba e
bigode. Ao redor muito lixo composto de folhas de coca, garrafas e latas de
refresco, além de garrafas de álcool potável e outras bugigangas. O boneco
estava cheio de fitas e adornos presos ao corpo. Este era “El Tio” um tipo de diabo protetor das minas e dos mineiros.
Nosso
guia então nos explica que fora das minas todos tem suas próprias crenças religiosas,
e na sua maioria muito temente a Deus, mas dentro de Cerro Rico todos pedem a
proteção de Tio e que ele é fruto de
uma composição da figura do diabo com cabelos e bigodes dos espanhóis, os
conquistadores, miscigenado como o próprio capeta para o povo colonizado e que
a figura representa um pouco da cultura dos mineiros, estando nu para mostrar a
masculinidade para trabalhar nas minas (mulheres não trabalham no interior das
escavações), sendo grande e forte para lembrar que as minas não são lugares
para os fracos. Explica que é uma superstição e que deve-se colocar ofertas nos
pés da figura para pedir proteção nas minas. Ele então oferece um cigarro a
Karen (uma das meninas suíças) para que ela coloque na boca do boneco. Com uma
mistura de descrença e medo ela o fez ao som dos risos de todos. Nosso guia
então derrama um pouco do álcool potável aos pés da criatura e bebe um gole
oferecendo a todos. Passando a garrafa de mão em mão, todos experimentaram pela
curiosidade, mas admito que foi a pior experiência com bebidas que eu já tive.
A garrafa contém álcool a 95% e a sensação é de que eu estava bebendo fogo.
Quase cuspi na cara de El Tio (rs).
Contado assim até parece um ritual profano, mas na verdade foi um momento de
descontração e muitas risadas do grupo com nosso divertido guia. Entendi que em
um ambiente totalmente desfavorável e onde não se tem o mínimo de segurança
para trabalhar a figura é uma fuga da realidade e uma esperança de dias
melhores fruto daquele lugar quase irreal. A garrafa foi para o chão como mais
um presente e fomos embora para mais uns 30 min de caminhada rumo a saída
(finalmente).
Após
mais de 3h de caminhada, histórias e superstições dentro de Cerro Rico,
finalmente vejo a luz do dia no fim do túnel. Apenas mais 50 metros andando
agachado e com apoio das mãos na terra, tropeçando nas vigas e trilhos de
carrinhos, umas três fortes pancadas com o capacete no teto e estávamos de
volta à parte externa da montanha. Os olhos doem por uns segundos até se
lembrarem da luz do dia, apaguei a lanterna do capacete, cuspi meio quilo de
poeira e finalmente respirei ar com mais oxigênio do que partículas sólidas.
Na
descida ainda pudemos admirar a Capilla
Del Sagrado Corazón de Jesús em meio as montanhas ao redor de Cerro Rico.
Nos despedimos do nosso guia Wilson, e dos novos amigos Peter, Karen e Eileen
que fizeram o tour conosco. Trocamos
contatos de redes sociais com a promessa de nos falar depois e trocar fotos e
então retornamos ao hostel, para um merecido e esperado banho. Encerramos nossa
estadia e fomos conhecer o centro histórico da cidade, pois ao fim do dia
tomaríamos o ônibus para Uyuni.
Potosí
é hoje uma sombra da grande cidade que foi nos seus tempos de glória. Apesar de
a UNESCO declarar a cidade como Patrimônio Cultural da Humanidade em 1987, como
forma de incentivar o turismo, a cidade parece pouco conservada, nos dando a
impressão de ter parado no tempo. Passamos pela Iglesia de La Merced com sua fachada apresentado uma pintura
descascada e desgastada pelo tempo.
Iglesia de La Merced |
Ruas apertadas de Potosi |
A
Praça 10 de Novembro é o centro histórico e lá está a bonita Catedral, além
da Casa da Moeda nos seus arredores, este é um bonito e importante museu de
Potosí (vale muito a visita). A Casa de La Moneda começou a ser construída no ano de 1.572 e funcionou por 212 anos até a queda da prata em Potosí. Pode-se fazer uma visita guiada em seu interior. O centro histórico e seus arredores são muito
bonitos, mas a periferia é feia, árida e demonstra um crescimento desordenado da
cidade no passado.
Pátio da Casa da Moeda |
Casa da Moeda de Potosi |
Almoçamos
no restaurante El Fogón (Calle Frías, nº 58) um dos melhores da cidade, segundo
os mochileiros que consultamos antes e durante a viagem. Gostei muito da
comida. Depois foi pegar um taxi para o terminal de ônibus, ainda deu tempo de visitar a área externa do estádio de futebol Víctor Agustín Ugarte o mais alto do mundo e casa do Real Potosí, com capacidade para 35.000 pessoas. O pouco tempo na cidade não nos permitiu uma visita ao interior do estádio e nem a muitos outros lugares, sendo assim, nossa visita a
Potosí estava encerrada.
Ao fundo o Estádio do Real Potosí |
O terminal de
Potossí é simples, sujo e barulhento, cobra-se para ir ao banheiro (Bs$ 2,00). Não
é difícil conseguir um ônibus para Uyuni, tem muitas empresas e vários horários,
é só chegar no terminal e ver os preços (pagamos Bs$ 30,00) e embarcar. Compramos passagem
para as 19h30min. O ônibus não é um dos mais confortáveis e vai enchendo até
ter gente de pé entre os bancos. O povo vai empilhando a bagagem em cima e no
corredor, entre mochilas e alimentos (caixas de ovos, vegetais diversos e tudo
mais que puderem imaginar). Os 219 Km pareceram intermináveis, o ônibus todo
fechado por conta do vento frio e da poeira da estrada, fedia. O motorista
colocou música tradicional boliviana para tocar bem alto. O som não me agradou
em nada e as 4 hrs de viagem pareceram uma eternidade.
Gastos - 22.03.2013
Hostel tukos la casa real - Bs$ 140,00
Hostel tukos la casa real - Bs$ 140,00
Jantar - Bs$ 50,00
Remédios - Bs$ 11,50
Mina - Bs$ 100,00
Mineiros e lembranças - Bs$ 61,00
Almoço em El Fogon - Bs$ 55,00
Taxi - Bs$ 5,00
Onibus para Uyuni - Bs$ 30,00
Água - Bs$ 6,00
Remédios - Bs$ 11,50
Mina - Bs$ 100,00
Mineiros e lembranças - Bs$ 61,00
Almoço em El Fogon - Bs$ 55,00
Taxi - Bs$ 5,00
Onibus para Uyuni - Bs$ 30,00
Água - Bs$ 6,00
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